"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A HORA DOS PETRALHAS

 
O julgamento do mensalão completa dois meses amanhã com 19 condenados e quatro absolvições. Mas nenhum veredicto proferido até agora pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, terá tanta relevância e atenção quanto o esperado para os próximos dias.
 
Hoje à tarde, o relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, deve começar a ler seu voto que vai definir o destino dos principais réus do caso.
 
Ele dirá se o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente da legenda José Genoino articularam, ao lado do empresário Marcos Valério, o esquema de compra de votos de parlamentares da base aliada do governo.
 
Se condenados por corrupção ativa, o trio que outrora já figurou como a cúpula do PT poderá passar de dois a 12 anos na cadeia. Eles ainda respondem por formação de quadrilha, crime que só será julgado na última etapa do mensalão.

O início da leitura do voto do relator a respeito do capítulo mais esperado do julgamento depende de quatro ministros. O STF está concluindo a análise das acusações contra ex-deputados, assessores eparlamentares do PP, PL (atual PR), PTB e PMDB.
Nove pessoas já foram condenadas nesse capítulo, entre elas o delator do esquema, Roberto Jefferson, e o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP). O parlamentar do PP de Mato Grosso Pedro Henry está a um voto da condenação por corrupção passiva.
Ainda faltam os votos dos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e do presidente da Corte.
O ministro Dias Toffoli leu metade de seu voto e falta concluir a sua análise. Se os quatro ministros forem sucintos, haverá tempo hábil para que Joaquim Barbosa comece, enfim, a revelar seu entendimento sobre os principais réus da Ação Penal 470.

Em seus votos anteriores, Joaquim Barbosa já deu pistas sobre o seu posicionamento. Quando condenou políticos da base aliada do governo, por diversas vezes citou "o esquema operacionalizado por Marcos Valério e Delúbio Soares", o que indica claramente uma condenação para o ex-tesoureiro e para o empresário por corrupção ativa.
Barbosa afirmou há duas semanas que "Marcos Valério foi o elo entre todos esses parlamentares e oPT, na pessoa de Delúbio Soares".
Ele também citou por várias vezes a lista entregue por Marcos Valério com os nomes dos beneficiários dos "pagamentos feitos a parlamentares no período, por ordem de Delúbio Soares".
Mistério

Apesar de ainda não ter dito em nenhum momento que José Dirceu fazia parte da organização do esquema, a exemplo das citações que fez a Delúbio e Valério, o relator do mensalão já deu pelo menos uma grande sinalização que compromete o ex-ministro.
Ele fez menções a um episódio que tem grande espaço na denúncia da Procuradoria Geral da República: a viagem de alguns acusados da ação a Portugal em 2005.

De acordo com o Ministério Público, o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri teria acompanhado o empresário Marcos Valério e seu sócio Rogério Tolentino em uma viagem a Lisboa. Na capital
portuguesa, eles teriam se reunido com representantes da Portugal Telecom, para negociar o repasse de R$ 24 milhões para o esquema de corrupção.
A PGR afirma que a viagem teria sido organizada por José Dirceu e que o ex-ministro teria tiradovantagem do interesse da Portugal Telecom na compra da empresa Telemig.

Na semana passada, durante um bate-boca com o ministro Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa declarou que a viagem foi "bizarra" e "esdrúxula", o que indica que o relator não acatou a tese da
defesa de Dirceu de que a viagem não tinha nenhuma relação com política e que Valério estaria interessado apenas em contratos de publicidade com a Portugal Telecom.

Nas próximas semanas, ao votarem nesse item da denúncia, os ministros vão revelar seu
entendimento a respeito do poder que José Dirceu tinha no governo Luiz Inácio Lula da Silva e no PT.
A defesa do ex-ministro afirma que ele teria apenas um "papel burocrático" dentro da estrutura da Casa Civil.
Os advogados garantem ainda que José Dirceu estava completamente afastado do comando do Partido dos Trabalhadores.
O ex-ministro é apontado pela Procuradoria Geral da União como o "chefe da quadrilha do mensalão".
Um dos aspectos citados pela denúncia que pode comprometer Delúbio Soares é a acusação de que ele teria se apropriado de R$ 550 mil do esquema. A PGR assegura que "muito embora o objetivo principal de Delúbio Soares fosse o financiamento ilícito do projeto político de poder do PT, ele não hesitou em locupletar-se do esquema".
No caso de José Genoino, o seu elo com o esquema de corrupção é o fato de que ele foi avalista de um dos empréstimos falsos firmados entre o PT e o Banco Rural. A concessão do crédito foi renovada 10 vezes e Genoino deu garantia a todos esses acordos, já considerados fraudulentos pelo STF.
Mulher de Delúbio administra R$ 7 mi

Às vésperas de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi envolvido em mais uma denúncia.
Segundo a revista Isto É que circulou ontem, a mulher do réu do mensalão, a psicóloga Mônica Valente, comanda o escritório de uma organização que faz a intermediação entre sindicatos de funcionários públicos e organismos internacionais.
A filial brasileira da Internacional do Serviço Público (ISP), administrada pela mulher de Delúbio, recebe R$ 7 milhões por ano de receita com o imposto sindical.
A reportagem mostrou que o destino desses recursos é um mistério para os sindicatos e alvo de várias contestações dos servidores públicos, obrigados a repassar dinheiro para a entidade.

Confira as principais denúncias contra os réus do núcleo político do PT no mensalão:
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil

» Segundo a PGR, o mensalão era um esquema de compra de votos de deputados para a aprovação de projetos de interesse do governo, como as reformas da previdência e tributária. O então ministro José Dirceu teria arquitetado o esquema para pagamento de mesada a deputados.

» Como ministro da Casa Civil, José Dirceu teria usado sua influência para beneficiar o banco BMG. Por intermédio do então presidente do INSS, Carlos Gomes Bezerra, Dirceu teria conseguido benefícios para o banco, como a autorização para oferecer empréstimos para servidores.

» O ex-ministro José Dirceu teria influência em órgãos de controle do governo e também na indicação de pessoas para ocuparem cargos estratégicos na administração pública federal.
» A Procuradoria Geral da República classificou José Dirceu como o "chefe da quadrilha" do mensalão e garantiu que o ex-ministro seria um dos principais articuladores do esquema de arrecadação de dinheiro para pagamento de mesada aos parlamentares, com grande influência no PT.
» José Dirceu manteria contato com Marcos Valério, considerado o principal operador do mensalão, para organizar os repasses de dinheiro a políticos. O publicitário teria viajado a Portugal a mando de Dirceu, para tratar da captação de recursos que seriam repassados ao esquema.
José Genoino, ex-presidente do PT
»
O ex-presidente do PT teria participado do esquema de repasse de recursos a parlamentares tendo como contrapartida apoio ao governo federal.

» Genoino foi um dos avalistas do empréstimo fictício firmado entre o Partido dos Trabalhadores e o Banco Rural, por meio do qual o PT conseguiu R$ 3 milhões para o esquema. Genoino também deu garantia em dez renovações do empréstimo, que foi quitado depois do surgimento do escândalo por R$ 10 milhões.

» A denúncia da Procuradoria Geral da República afirma que José Genoino, "mesmo negando ter tratado de questões financeiras, admitiu ter participado de reuniões com líderes do PP e do PL para tratar de alianças políticas."

» Ainda de acordo com o Ministério Público, "depoimentos contidos nos autos da ação penal comprovam que os contatos com os partidos eram sempre feitos por José Genoino. Embora neguem o caráter ilícito da oferta, os depoentes trouxeram aos autos prova irrefutável de que o núcleo político do grupo criminoso obteve o apoio parlamentar mediante o pagamento de vantagens indevidas".

» A PGR afirma que, representando José Dirceu, José Genoino, além de conversar com os líderes partidários, convidando-os a apoiar os projetos de interesse do governo, procedia ao ajuste da vantagem financeira que seria paga caso aceitassem a proposta.
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do Pt
» A denúncia da Procuradoria Geral da República descreve Delúbio Soares como um dosresponsáveis pela "operacionalização do pagamento", juntamente com outros réus como Marcos Valério, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos.

» Assim como Genoino, Delúbio também foi um dos avalistas do empréstimo fictício firmado entre o Partido dos Trabalhadores e o Banco Rural, por meio do qual o PT conseguiu R$ 3 milhões para o esquema. Delúbio também deu garantia em dez renovações do empréstimo, que foi quitado depois do surgimento do escândalo por R$ 10 milhões.

» O Ministério Público afirma que, "muito embora o objetivo principal de Delúbio Soares, assim como de José Dirceu e José Genoíno, fosse o financiamento ilícito do projeto político de poder do Partido dos Trabalhadores, não hesitou em locupletar-se do esquema."

» Em depoimento à Justiça, o empresário Marcos Valério afirmou que, em 2003, foi procurado por Delúbio Soares. Teria afirmado que, em razão das campanhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, e teria proposto que as empresas de Valério tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores.

» Outro fato citado pela PGR que envolve o ex-tesoureiro é uma reunião ocorrida na Casa Civil entre José Dirceu e Ricardo Espírito Santo, presidente do Banco Espírito Santo no Brasil, com a participação de Marcos Valério e Delúbio Soares.


HELENA MADER Correio Braziliense
01 de outubro de 2012

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