"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O BOCEJO DAS URNAS



Para quem se dedica a olhar o mundo pelo universo das redes sociais, ou até mesmo da imprensa convencional, o segundo turno das eleições, principalmente as de prefeito de São Paulo, parece antecipar a batalha do Armagedon- o conflito final.

O mundo parece dividido irremediavelmente entre dois exércitos, e só um deles sobreviverá, enquanto o outro será extinto e eliminado da face da Terra.

Enquanto o povo se espreme em meios de transporte sujos, lotados e ineficientes, ou perde horas para se deslocar de casa ao trabalho, numa cidade graciosamente inóspita como São Paulo, o mundo no qual os políticos gravitam parece resumir-se ao mensalão e ao kit gay.

Sim, são batalhas de valores, e um povo deve preocupar-se com os valores de quem pretende governá-los.

Mas acreditar que a vida em comunidade se resuma a isso, tem um efeito devastador sobre o ânimo do eleitor, que poucos se dedicaram a estudar em profundidade.

A verdade é esta: num lugar onde o voto é obrigatório, 1.592.722 dos 6.128.657 eleitores simplesmente não apareceram para votar.

Ou seja: 18,5% deles. Pode-se conjecturar sobre doentes, incapacitados de se locomover, pessoas viajando, ou simples indiferentes e preguiçosos.

Mas dos que se deram ao trabalho de ir às urnas, ou por fervor cívico ou por preguiça de enfrentar as sanções aos faltosos , 381.407 (4,4%) votaram em branco e 576.364 (6%) anularam o voto.

A verdade é que os dois principais candidatos, José Serra e Fernando Haddad, que representam os exércitos do Armagedon, juntos tiveram 42,5 % da votação do eleitorado total da cidade. Ou seja: 6 em cada 10 eleitores de São Paulo aptos a votar não votou em nenhum dos dois.

Mesmo que se criasse uma entidade única chamada Serrahaddad ou Haddadserra, ela nao atingiria o coeficiente necessário para eleger alguém.

Isso quer dizer que a polarização política que tanto aflige os militantes, a ponto de quase transformá-la, em alguns casos, em razão de vida ou morte, passa ao largo do eleitor comum.

A eleição se tornou uma guerra aborrecida de facções fanatizadas e enquanto uns se matam por ela, outros preferem bocejar de pura indiferença.


Dos eleitores de São Paulo, 2,5 milhões (28,9%) não votaram em ninguém.

Não é um bom presságio para o desenvolvimento da democracia, e é um sintoma de que a vida política se tornou uma atividade que interessa aos governantes mas é desprezada pelos governados.

Depois de 20 anos de ditadura militar, é assustador que uma democracia tão jovem apresente sinais tão latentes de senilidade. Os políticos precisam tratar de restabelecer a honra da sua atividade.

19 de outubro de 2012
Sandro Vaia é jornalista.

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