"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

MELHOR SER MINISTRO NA MORDÓVIA

Milionários do Ocidente pedindo asilo na Rússia? C’est nouveau ça! O ator Gérard Depardieu, que havia se refugiado na Bélgica para fugir à fúria fiscal do presidente socialista François Hollande - que aumentou para 75% o imposto a ser pago por quem ganha mais de um milhão de euros ao ano - recebeu hoje passaporte russo das mãos do presidente Vladimir Putin.

Recebido o documento, o ator dirigiu-se para a Mordóvia, onde foi convidado para ser o ministro da Cultura. Sob um governo socialista, melhor ser ministro da Cultura na Mordóvia que milionário na França.

Em meus dias de Suécia, vivi em uma sociedade onde a honestidade era a regra. O Estado confiava no cidadão e o cidadão confiava no Estado. O mais odiado dos crimes, naqueles dias, era a sonegação de impostos.

Quem sonegava estava cometendo um crime de lesa-igualdade. O problema é que o imposto de renda podia chegar até 95% e houve inclusive o caso caricatural da escritora Astrid Lindgren, autora de livros infanto-juvenis, em que chegou a 102%. Uma cascata de leis impensadas, uma incidindo sobre a outra, produziu o absurdo. Foi quando soou o alerta sobre a fome fiscal dos socialistas suecos.

Personalidades como Ingmar Bergman ou Ronnie Peterson chegaram inclusive a trocar de país para fugir à fúria tributária do Estado. Em 1976, Bergman foi preso por sonegação fiscal, em pleno Teatro Real de Estocolmo, durante um ensaio de A Dança da Morte, de Strindberg.

O cineasta deixou então seu país para viver um longo exílio artístico em Munique. Anistiado em 1979 depois de um ajuste fiscal, ele voltou à Suécia em 1981 para filmar Fanny e Alexandre, mas o retorno definitivo à Suécia aconteceu apenas em 1988.

Por mais dinheiro que você tenha, sempre dói no bolso receber um milhão e deixar 750 mil para o Estado. O dinheiro é covarde. Mal se sente ameaçado, bate asas. Isto, até hoje os socialistas não entenderam. Em busca da sociedade igualitária, acabam afastando os mais ricos e nivelando por baixo.

Aconteceu também em 81, na França. Mitterrand, ao ser eleito, começou a privatizar bancos e ameaçou aumentar o imposto de renda das grandes fortunas. O dinheiro começou a fugir da França, por discretas fronteiras com a Suíça. Só quando Mitterrand se deu conta deste medo visceral do dinheiro e voltou atrás em seus propósitos, os milionários aceitaram voltar à França.

A cidadania russa foi concedida a Depardieu na quinta-feira passada, por decisão especial de Putin. Recebido o documento, o ator fez o elogio da democracia no país. “Ele não será esquecido e esta frase jamais lhe será perdoada: ‘é uma grande democracia’ “ – disse o jornalista Matvei Ganapolski, da rádio de oposição Echo Mosky. Na Rússia, os cidadãos, do bilionário ao pobre, pagam 13% de imposto de renda. Nisto consiste a democracia louvada por Depardieu.

Uma outra personalidade francesa do cinema também pretende obter asilo em Moscou, Brigite Bardot. Por outras razões, segundo alega. Está farta da França porque o governo decidiu abater dois elefantes doentes. Falta saber se na Rússia elefantes doentes não são abatidos. Mas o imposto é de 13%.

A fuga de Depardieu é apenas a ponta emersa do iceberg. Entende-se que quem ganha muito queira proteger sua fortuna. O que não se entende – perguntaram-se os franceses – é como Depardieu ganhava tanto.

E uma nova polêmica, alheia à questão fiscal, está tomando conta dos jornais. Resposta: é que o cinema francês – como aliás, o nosso é subsidiado pelo Estado. E o rei escolhe seus amigos.

Segundo Le Monde, o cinema francês repousa sobre uma economia cada vez mais subvencionada. Mesmo seus maiores sucessos comerciais perdem dinheiro. Os filmes são muito caros. A França detém o recorde mundial de custo médio de produção: 5,4 milhões de euros, enquanto o custo médio de um filme independente americano gira em torno de 3 milhões de euros.

Este custo médio não baixa nunca, embora sempre haja mais filmes, o mercado de salas esteja estagnado, o vídeo afunde e as audiências de cinema na televisão estejam em perpétuo declínio. Sobre o top 10 de uma economia que concerne 220 filme, só um é rentável. Todos os filmes franceses de 2012 ditos importantes foram “plantados”, perdendo milhões de euros: Les Seigneurs, Astérix, Pamela Rose, Le Marsupilami, Stars 80, Bowling, Populaire, La vérité si je mens 3, etc.

Como manter nas telas filmes que o público recusa e mesmo assim dar continuidade a uma indústria do cinema, aparentemente florescente? Só mesmo com o dinheiro do contribuinte, desviado pelo Estado, para repartição entre cineastas amigos. O caso de Depardieu não é único. Há dezenas de atores recebendo salários que a indústria não comporta. A affaire do futuro ministro da Cultura da Mordóvia serviu para puxar um escândalo bem maior, nutrido pelo Estado francês.

Qualquer semelhança com Pindorama não é mera coincidência. Com a diferença de que, no Brasil, a imprensa não dá um pio sobre a corrupção dos cineastas. Verdade que casos como o de Guilherme Fontes e sua biografia de Chateaubriand surgiram à tona, como também o de Norma Benguel e sua adaptação de O Guarani. Norma foi indiciada pela Polícia Federal e responde a acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e apropriação indébita.

Mas a coitada está em cadeira de rodas. Deixa pra lá. Deixa pra lá também os demais cineastas, ou não teríamos cinema no Brasil.


07 de janeiro de 2013
janer cristaldo

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