"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 16 de abril de 2013

O CRIME COMO EFEITO DA AUSÊNCIA DE DEMOCRACIA

 

Um sujeito dizer – como ouvi de mais de um dos “especialistas” que a imprensa guarda na gaveta para essas ocasiões – que “baixar a maioridade penal não vai resolver o problema da criminalidade” em cima da exemplar sequência de acontecimentos iniciados com o frio assassinato de um menino de 19 anos com um tiro no rosto na porta de sua casa na terça-feira da semana passada é coisa que, a esta altura do campeonato no país onde morre mais gente de morte matada do que a soma de todas as guerras declaradas do mundo, é o tipo do ato que não deixa espaço para qualquer tipo de dúvida.
Só pode ser por desonestidade.

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Já o ato do jornalista que empresta seu microfone e sua câmera para um sujeito dizer um impropério desse calibre sem trazê-lo para dentro da dramática irreversibilidade do fato que ele foi chamado a comentar com o seu “achismo” leviano é ainda mais desonesto que o primeiro.

São estes que emprestam alcance e força à operação de “patrulhamento ideológico” que mantém nossas instituições amarradas, assistindo impassivelmente aos múltiplos sorteios diários dessa loteria da morte em que se transformou o simples ato de sair às ruas no Brasil de hoje.

Eu me desculpo por vir ao assunto só hoje, impedido que estive desde quinta-feira passada por estar em trânsito.
Mas é melhor assim. É com a cabeça mais fria do mundo, depois de ter mais uma semana para refletir, que afirmo e reafirmo.

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É DESONESTO quem diz o que esses caras dizem. Eles próprios não acreditam no que estão afirmando.

Pode alguém, em sã consciência, negar que tirar um assassino das ruas reduz em um assassino à solta a chance de mais alguém ser assassinado?

Que outra maneira existe, em qualquer tempo e em qualquer lugar, de reduzir as chances da gente de paz ter sua vida roubada na rua, senão a de tirar de circulação cada assassino identificado?

Quem é que pretende, neste mundo, “resolver o problema da criminalidade” assim, de uma vez para sempre? Quem é que acredita que isso é possível aqui nesta selva onde ronda o bicho homem?

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Mal escondida por trás dessa insistência já não está mais a ilusão ingênua do “bom selvagem que a pobreza corrompe” da infância do pensamento moderno ainda intocada por tudo quanto a História, a ciência e o acesso à informação aportaram, desde então, para enterra-la de uma vez para sempre como o mito desviante que é.

Não ha mais como negar honestamente o significado dos fatos empapados de sangue, de lágrimas e, frequentemente, de estupor, que nos caem diariamente sobre as cabeças vindos do mundo rico e do mundo pobre, dos píncaros da cultura e dos abismos da humanidade mais primitiva, para nos gritar que o mal não escolhe hospedeiro segundo as categorias de sociologias ultrapassadas, e que é preciso defendermo-nos dele do único modo que, desde sempre, se tem provado possível.

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A tragédia da semana passada parece ter sido encenada de propósito para ilustrar todo o escandaloso absurdo da loucura em que vivemos exclusivamente para dar satisfação a esse tipo de mentiroso consciente da sua mentira que segue afirmando olimpicamente o inafirmável, como se estivéssemos falando da mera opção entre preferências que, de modo nenhum, implicam consequências irreversíveis.

O sujeito mata diante das câmaras porque sabe que pode; e nos dá prova conclusiva disso ao se entregar à polícia 24 antes de fazer 18 anos, o que lhe garante que cumprirá no máximo 3 anos por tal “ato infracional” (!!!).

São, do primeiro ao último, passos calculados com absoluta frieza, mas escamoteados aos autos por esse nosso subversivo e malsão Estatuto da desproporção entre as palavras, os atos e as penas que a eles se referem.

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Escorando pelos lados esse parteiro da desfaçatez e da brutalidade está o falso silogismo que impede a discussão razoável do problema e mantem o Brasil polarizado enquanto da voltas na espiral do crime: de um lado os que caçam votos afirmando que “se não ha Justiça que prenda, o jeito é matar o bandido”; do outro os que o fazem afirmando que “se não ha prisões decentes, o jeito é soltar o bandido”.

Como sempre, muito latinamente, paramos na discussão dos efeitos sem nunca descer às causas do problema, que são as de sempre.
Primeiro, a existência de dois brasis, um com foros e prisões especiais que permanecem sempre vazias e outro que se aperta nas nossas masmorras medievais onde metade dos detentos já cumpriu sua pena ou nunca foi julgada mas não sai por falta de advogado ou da mera condição de se expressar.
Segundo, pela inexistência de um sistema real de representação do eleitor condicionada e fiscalizável onde o representante que trai o representado perde o emprego e paga por isso nos termos da lei.
Da terceira em diante nem é preciso falar porque as duas primeiras põem o governo contra a Nação e o resto é consequência.

O crime, no Brasil, é mais um dos sintomas da inexistência de uma democracia entre nós. Enquanto não atacarmos esse problema fundamental nenhum dos outros será resolvido.

Ato pela Paz realizado pelas ruas do bairro Belém, na zona leste de SP

16 de abril de 2013
vespeiro

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