"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 30 de junho de 2013

A PASSEATA DE 1968 FOI O FIM DE UM CICLO

 

Na semana passada, enquanto as multidões continuavam nas ruas, ecoou a memória da Passeata dos Cem Mil, de 26 de junho de 1968. A geração daqueles dias, com sua magnífica experiência, atribuiu-se uma capacidade de explicar o presente fazendo paralelos com o que viveu. Assim, além de não se explicar o presente, frequentemente muda-se o passado.

No dia 26 de junho de 1968, aconteceram duas coisas. Às 4h30m da madrugada, o soldado Mario Kozel Filho, de 18 anos, estava na guarita de sentinela do QG do II Exército, no Parque do Ibirapuera, e viu uma caminhonete C-14 vindo em direção ao portão do quartel.

Desgovernada, ela parou num muro. O soldado foi ver o que era, e a C-14, com 50 quilos de dinamite, explodiu e matou-o. Horas depois, numa bela tarde do Rio, a passeata saiu pela avenida.


Contavam-se nos dedos as pessoas que gritavam “O povo unido jamais será vencido” dando importância à Vanguarda Popular Revolucionária, que explodira a bomba no Ibirapuera.

Seis meses depois, o governo baixou o AI-5, ninguém foi para a rua, e o Brasil entrou no seu pior período ditatorial. Não foi a passeata que levou a isso. Ela era o fim de um ciclo. A bomba e o interesse do governo em subverter a precária ordem constitucional da época foram o início de outro.

Festejando-se a memória da passeata, varreu-se para baixo do tapete a lembrança de um erro catastrófico. Passaram-se 45 anos, e centenas de pessoas que participaram de atos terroristas maquiaram-se como combatentes da causa democrática. Lutavam contra uma ditadura, em busca de outra, delas.

É o caso de se perguntar: o que é que isso tem a ver com o que está acontecendo no Brasil de hoje? Nada.

O professor Pedro Malan já disse que no Brasil não só o futuro é imprevisível, mas também o passado.

O sumiço da bomba do Ibirapuera na memória do 26 de junho de 1968 mostra que ele tem razão. Quem queria golpear a democracia? Cada um tem direito a responder como bem entender.

O que não se pode é achar que há 45 anos tanto o marechal Costa e Silva como os tripulantes do comboio que levou a bomba ao QG do Ibirapuera quisessem defendê-la.

30 de junho de 2013
Elio Gaspari, O Globo

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