"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de junho de 2013

"PLEBISCITO EM MARTE"

A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar

Os parasitas da nação estão em festa. Os efeitos dos protestos de rua estão tomando o melhor caminho possível (para eles): constituinte, plebiscito, pré-sal... Os parasitas estão gargalhando em seus gabinetes. Sempre souberam que embromariam a multidão, mas não esperavam que fosse assim tão fácil.Ao fim da primeira semana de manifestações, Dilma foi à TV.
 
Nas ruas, os protestos contra o aumento das passagens de ônibus mostravam o óbvio: a volta da inflação enfim tirara os brasileiros de casa. O transporte era só o item mais visível da escalada de preços em todos os setores. A vida ficou mais apertada – e a paciência acabou. Como todos sabem (ou deveriam saber), o governo popular abandonou a meta de inflação para irrigar sua formidável máquina de duas dezenas de ministérios.
 
Mas na TV, Dilma parecia uma porta-voz dos revoltosos.
A presidente disse que os anseios das ruas eram os mesmos do seu governo. É preciso coragem para soltar um disparate desses sem gaguejar. O tal governo que anseia por mudanças governa o país há dez anos.
 
E Dilma não deu uma palavra sobre gastos públicos – ou, em português, sobre a orgia orçamentária que seu partido preside no Estado brasileiro. Pregou a melhoria dos serviços públicos (supostamente os do Brasil), no momento em que seu governo bate mais um recorde de despesas – como sempre reduzindo os investimentos e aumentando o custeio (a verba dos companheiros). É preciso muita desinibição.
 
O projeto parasitário é desinibido porque a opinião pública é trouxa. E o pronunciamento da presidente foi engolido pelos brasileiros, incapazes de relacionar a inflação e a queda dos serviços com a administração perdulária e inepta da grande gestora.
Se o movimento que encanta o país fosse minimamente lúcido, cercaria o Palácio do Planalto depois desse pronunciamento.
 
Poderia anunciar, pacificamente, que só sairia de lá com a extinção de pelo menos cinco ministérios inúteis, mantidos para alimentar correligionários. Ou com o compromisso da presidente de voltar a respeitar a meta de inflação.
 
Ou denunciando o escândalo da “contabilidade criativa”, pelo qual o governo do PT passou a fraudar seu próprio balanço – seguindo a escola Kirchner-Chávez –, escondendo dívidas para poder gastar mais com cargos e propaganda.
Será que os heróis das ruas não percebem que é isso o que mais infla o custo de vida (e as passagens de ônibus)?
 
Não, não percebem. Uma líder do movimento declarou ao “Jornal Nacional” que a próxima prioridade era a reforma agrária... Aí os parasitas estouraram o champanhe. Era a senha para mandarem Dilma tirar da cartola uma constituinte: reforma política! (mesmo balão de ensaio usado por Lula quando estourou o mensalão). E o truque colou. Tiraram a constituinte de cena, mas deixaram o Brasil entretido no debate lunático sobre um plebiscito do crioulo doido.
 
De brinde, Dilma prometeu transformar a “corrupção dolosa” em crime hediondo. Eles venceram de novo.
 
Enquanto gritam por cidadania, educação, dinheiro do pré-sal e felicidade geral, os revoltosos urbanos estão absolvendo Rosemary Noronha – a protegida de Lula e Dilma na invasão fisiológica das agências reguladoras (responsáveis pelos serviços que a presidente promete melhorar...). Estão absolvendo as quadrilhas que dominaram o PAC – reveladas pela CPI do Cachoeira, que Dilma abafou e nenhum manifestante reclamou.
 
Estão chancelando todos os denunciados na época da faxina imaginária que continuam dando as cartas no governo, como o ministro do Desenvolvimento Fernando Pimentel. Os revoltosos estão sancionando a sucção e cantando o Hino Nacional.
 
Fica então uma sugestão de pergunta para o plebiscito: o Brasil prefere ser roubado por corrupção dolosa ou indolor?
 
29 de junho de 2013 
Guilherme Fiuza, O Globo
 

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