"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 3 de julho de 2013

"AS PASSEATAS DOS EMPULHADORES"

 
Depois que o andar de baixo foi para a rua, o de cima tomou o rumo da mistificação
 
Desde que o monstro foi para a rua, o andar de cima virou urubu que voa de costas. Em poucas semanas, aprontou o seguinte:
 
1) A doutora Dilma reuniu o ministério e propôs "cinco pactos". Quais? Ninguém lembra. A quem? Ninguém sabe.
 
2) Em seguida defendeu uma constituinte exclusiva, ideia que durou 24 horas, porque ninguém sabia o que era.
 
3) Agora quer um plebiscito para orientar uma reforma política na qual o PT quer arrancar o financiamento público das campanhas (sendo seu maior beneficiário) e, se der, algum voto de lista.
 
4) O governador Geraldo Alckmin, cuja Polícia Militar acendeu o pavio da explosão da rua. (Argumente-se que ele não a controla como devia, mas esse é um problema do doutor.) Dias depois suspendeu o aumento de 6,5% dos pedágios nas rodovias paulistas, previsto para o início deste mês.
 
5) O Senado poderá aprovar hoje um projeto que dá transporte gratuito a estudantes.
 
6) Finalmente, o prefeito Fernando Haddad propôs um conjunto de medidas a tirou da manga o surrado aumento de impostos sobre bens supérfluos.
 
Tudo marquetagem.
 
Suspender aumento de pedágio pode até ser uma providência saudável, mas resulta num estímulo ao transporte individual. O problema está noutro lugar, nas relações promíscuas dos Estados com a privataria que atende pedidos de governadores e prefeitos para fazer obras, retarda serviços e vai buscar no escurinho da agências a prorrogação de seus contratos. Assim acontece em São Paulo, assim sucedeu no Rio, onde a prorrogou-se o contrato do metrô e das barcas Rio-Niterói antes da venda das concessões. A compensação para os empresários de São Paulo virá da redução do valor que são obrigados a remeter à agencia reguladora (ferro na Viúva) e do desconto no que é devido por atraso de obras (ferro na Viúva, de novo).
 
O passe livre para estudantes oferecerá transporte gratuito a todos os estudantes, inclusive àqueles que não precisam. Tem dia em que o chofer está de folga ou a mamãe foi para Miami. Como resolver isso? Ganha o passe quem pedir, pela internet, indo buscar a carteirinha duas vezes por ano num posto do governo. Se o pessoal do Bolsa Família é obrigado a pedir, porque a Bolsa Passe Livre deve ser automática, sujeita à conhecidas fraudes? Durante o New Deal, Franklin Roosevelt não deu moleza a quem disse que precisava de ajuda. Só a recebia quem pedia e ralava para coletá-la.
 
Sempre que um governo não sabe o que fazer defende mais impostos sobre bens supérfluos. O PT manda em Brasília desde 2003, passou a voar nos jatinhos amigos, aninhou-se na rede de interesses da plutocracia e cobra IPVA de quem tem carro velho (produto supérfluo), mas nada pede a quem tem helicóptero (um bem essencial).
 
O que a rua quer é menos empulhação dos sábios de planilhas que confiaram nos mecanismos de persuasão da polícia e dos pensadores. O que a doutora Dilma, governadores e prefeitos estão oferecendo é pouco mais que uma marquetagem destinada a embaralhar o debate. Inverte-se um velho slogan que se dizia: "Peça o Impossível". Noves fora o passe livre, a rua pede o possível: menos roubalheira e mais contas abertas. Os palácios estão oferecendo o impossível.
 
03 de julho de 2013
Elio Gaspari, O Globo

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