"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

MENSALÃO, A TOGA-JUSTA DO STF

Estaria um ministro indicado pelo presidente da República totalmente dissociado de seu apadrinhamento?

Quatro anos e quatro meses depois, com 38 réus e um portfólio de crimes de colarinho branco, o Supremo Tribunal Federal vê-se diante de uma “toga-justa” com o cenário paralisado da ação que enquadrou amigos do governo petista e empresários.

O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, passou a ser cobrado pela sociedade, imprensa e agora pelos próprios pares sobre os resultados da investigação. Embora ele tenha mostrado, mesmo discretamente, a dificuldade de encontrar personagens de defesa e acusação para depoimentos, a morosidade do processo causa incômodo a toda corte, a ponto de o futuro ministro-relator, Ricardo Lewandowski, vir a público lembrar que, se os réus não forem julgados até agosto de 2012, alguns crimes poderão prescrever, como a formação de quadrilha, pelo qual desfilam 24 dos 38 suspeitos.

São 130 volumes com 600 páginas. Nada, nada fácil. Para piorar a situação, as constantes licenças do ministro Barbosa por seu problema na coluna retardaram o processo.
Na semana passada o clima ficou tenso. Segundo reportagem de Luiz Orlando Carneiro, o presidente da corte, ministro Cezar Peluso, expediu ofício pedindo que o ministro Barbosa dê acesso a todos os ministros ao conteúdo total do processo, para que eles acompanhem o caso e que o ministro Lewandowski já possa esboçar seu voto de relator, a fim de dar celeridade ao caso.

A dúvida que paira no ar é: por que tanta demora. Obviamente, pelo conteúdo bombástico das acusações, pelas centenas de depoimentos, pelo cruzamento de dados, pelo número de personagens envolvidos.
Seria maldade apontar que a morosidade é movida a interesse dos figurões e ex-mandatários da política nacional muito próximos à cúpula do atual governo.
Seria uma ilação perigosa, e ninguém cita isso oficialmente, dizer que a demora vem do apadrinhamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Joaquim Barbosa, indicado para a corte pelo então chefe da nação. E neste sentido, é conveniente que venha à luz essa relação de proximidade – pelo menos de indicação – entre os poderes Executivo e Judiciário, no tangente à composição das cortes máximas, embora, fique claro, isso não signifique interferência.
Estudos de cientistas latino-americanos apontam o poder Judiciário como o mais independente do Continente.

Mas é necessário levar em conta a perigosa ligação entre os dois poderes. Um ministro indicado pelo presidente da República está totalmente dissociado de seu apadrinhamento?
O governo do PT completou nove indicações de ministros ao STF desde 2003, do total de 11 na corte. No entanto, é importante ressaltar, não há provas de que há direcionamento de votos a favor de causas envolvendo a União ou um partido.

O Brasil não é caso único nesse sistema de nomeação, pelo qual uma lista é levada ao chefe da nação, e, após consultas junto ao Ministério da Justiça, o Executivo indica o seu escolhido para vaga nos tribunais.

A exemplo dos Estados Unidos, Brasil, Argentina e México optaram pela indicação presidencial.
Na Bolívia, El Salvador, Guatemala e Honduras, os ministros são escolhidos por câmaras ou conselhos compostos por juristas e representantes de entidades civis relacionadas ao Direito, com o amparo constitucional.
No Peru e na República Dominicana são os conselhos de notáveis do Direito que decidem quem entra nas cortes.

Para provar que a tese de interferência dos poderes não é impossível, registre-se um breve passeio histórico por um fato ocorrido nos Estados Unidos.
Nas décadas de 20 e 30 nos EUA, o poder da Suprema Corte era tamanho que dezenas, talvez centenas de leis nas três esferas de administração do país foram anuladas pelos juízes do tribunal.
De modo que o então presidente Franklin Roosevelt resolveu por conta própria afrontar o tribunal. Apesar de a Constituição prever a separação dos poderes, ele tentou mudar a lei para aumentar de nove para 15 o número de juízes, para que pudesse indicar os seus preferidos, alinhados com suas ideias, e manter a maioria na corte, tal como o cenário de “governabilidade” no Congresso – vide o caso do Brasil – em que a maioria absoluta favorável acata as decisões do Executivo.

Obviamente, apesar da pressão política, o judiciário americano não se entregou, mas teve baixas significativas – como aposentadorias e suposta cooptação por parte do governo de pelo menos três magistrados que mudaram seus votos em casos específicos, em prol da Casa Branca – e desde então a corte diminuiu década a década o seu poder de decisão política, até os dias atuais.

Difícil apontar isso no Brasil, mas também difícil prever que isso não vá acontecer um dia. O fato é que a proximidade entre os dois poderes é assunto que um dia pode ser discutido, principalmente pela forma de indicações de ministros.
Contudo, para que essa mudança seja efetivada, é necessária uma mobilização política no Legislativo para novas redações na Carta Magna que permitam tais entidades civis de direito a escolha dos magistrados para as cortes.
Através de PECs (Propostas de Emenda à Constituição) haveria nova redação nos artigos constitucionais números 94 (que trata da nomeação e composição do STF); 104 (Superior Tribunal de Justiça); 111 (Tribunal Superior do Trabalho); 119 (Tribunal Superior Eleitoral) e 123 (Superior Tribunal Militar), tirando poderes do Presidente da República e dando poderes à OAB, AMB, CNJ, etc para nomeação de ministros.

Frisa-se aqui, novamente. Não está em julgamento a isenção e a capacidade do ministro Barbosa, que já provou, até aqui, ser merecedor do assento que ocupa. Todavia a sociedade clama por seu relatório.

Por Leandro Mazzini, 23/12/2011

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