"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

DE AÇO OU RENDA

Abaixo, coluna de Dora Kramer, publicada hoje em vários jornais do Brasil

A falta de unidade no PSDB não é apenas de ação como maior partido de oposição e único concorrente em condições mais ou menos competitivas para enfrentar o PT e área de influência numa eleição. A divergência é, sobretudo, de pensamento: dependendo da perspectiva do olhar, os tucanos usam punhos de aço ou de renda na análise sobre o que foi até agora o governo de Dilma Rousseff. Tanto que o balanço sobre o primeiro ano tem duas versões. A original, encomendada pelo presidente do PSDB, Sérgio Guerra, ao ex-vice de José Serra no governo de São Paulo – depois governador durante a campanha – Alberto Goldman, chegou a ser divulgada, mas foi recolhida e substituída por um texto mais ameno assinado pela Executiva, mas não submetido ao exame do colegiado.

As diferenças começam pelos títulos. A versão mais dura chama-se “Dilma Rousseff 2011, um governo medíocre”. A mais branda ganhou o nome de “2011: um balanço crítico”. O primeiro documento tem oito páginas e o segundo duas a menos. Reduziu-se a introdução e boa parte dos textos em que o governo é analisado ponto a ponto, mostrando as discrepâncias entre o discurso oficial e a realidade da economia, saúde, educação, investimentos, etc.

Mas é na apresentação que a diferença de concepção sobre o conceito da maneira de fazer oposição fica patente. Vamos a alguns trechos do texto original. “O primeiro ano caracterizou-se pelo desperdício do capital político obtido por ela com a vitória de 2010: foi amorfo e insípido. A presidente não parece alimentar ilusões sobre a dimensão de seu mandato. Não tem direção definida. Comporta-se como aquilo que é: uma atriz coadjuvante escalada, não para ofuscar, mas para refletir o brilho do ator principal e diretor do enredo”.

“Dilma foi eleita presidente e se contenta com o papel de síndica do condomínio político constituído por Lula. Este não dá sinal de que pense em transferir o po­­der efetivo. Os condôminos, a co­­meçar pelas múltiplas facções do PT, não admitem abrir mão dos cargos e verbas federais cujo rateio é a razão de ser de sua participação no governo”.

“Mais do que o desempenho de sua criatura e curadora [de Lula], é o sistema que deve ser avaliado. O balanço é negativo e preocupante para o país”. “Outros presidentes, no passado, recorreram ao loteamento político da máquina estatal. Nenhum na extensão nem com a desfaçatez de Lula. O efeito mais visível do fisiologismo turbinado por ele foi a sucessão de escândalos no primeiro ano de Dilma”.

“O espetáculo de corrupção impune enoja a opinião pública, desmoraliza as instituições, paralisa a administração pública, desvia recursos necessários às demandas da sociedade e desafia as pretensas intenções moralizadoras da própria presidente que troca de ministros quando não pode mais segurá-los, mas não muda a regra do rateio dos ministérios”.

Essa introdução foi substituída por outra em que não há referências críticas diretas a Dilma ou a Lula. Segue abaixo a escolhida pela direção do PSDB para divulgação.

“Em um contexto de fortes turbulências econômicas internacionais, se exige do Brasil, assim como do resto do mundo, a adoção de me­­­didas de austeridades e eficiência”. “Não há austeridade nem eficiências possíveis quando pedaços do Estado são entregues a partidos e facções políticas para serem usados como agências arrecadadoras. As contas e indicadores de desempenho da máquina federal, registram o avanço dessa forma perversa de privatização do patrimônio público nesses nove anos.”

“Ninguém entregou mais o Estado brasileiro ao apetite desmedido de sua base do que o atual governo”.“A perversão não se limita à máquina estatal. Escândalos re­­­centes puseram em evidência o apa­­­­relhamento de entidades da sociedade civil como comitês eleitorais e canais de desvio público por grupos instalados nos ministérios”.

A partir daí os textos seguem mais ou menos semelhantes, voltando a discrepar na frase final da introdução. Na concepção original, o balanço “registra uma constran­­gedora sucessão de fracassos”. Na versão amenizada, o primeiro ano foi marcado por “alguns sérios problemas em diversas áreas”.
DORA KRAMER
17 de janeiro de 2012

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