"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

MARCELO SERRADO É UM ÓTIMO ATOR E SEU COMPROMISSO É COM A ARTE

Na edição de 13 de Janeiro da Folha de São Paulo, o professor e diplomata Alexandre Vidal Porto publicou artigo criticando fortemente o ator Marcelo Serrado por ter afirmado à coluna de Mônica Bérgamo que não gostaria que sua filha, de 10 anos, assistisse na TV a um beijo gay.

Marcelo Serrado é um ator muito bom e seu compromisso é com a arte, de modo geral, e com a interpretação de seus personagens em particular. Vive o homossexual Crô na novela de Aguinaldo Silva, alcançando êxito reconhecido por todos.
Viveu, ao longo da carreira, diversos outros papeis. Está brilhante na representação do homossexual sufocado por dúvidas e pela tentativa impossível de passar para o sexo feminino.

Ao responder uma pergunta de Mônica, domingo 8, Serrado apenas disse que não gostaria que sua filha visse um beijo gay na tela. O diplomata, de forma não diplomática, acusa Serrado de homofobia.
Não é nada disso. O ator apenas achou o beijo gay (na boca) algo demais para uma menina de dez anos assistir. Não para a arte. São coisas distintas.

A aproximação gay, e o beijo na boca, está presente na história do teatro e do cinema. Por sinal as duas únicas manifestações artísticas que focalizam o comportamento humano, além do sentimento transmitido pela música que, inclusive, encontra-se presente tanto na tela quanto no palco.

Está numa das versões cinematográficas sobre Oscar Wilde, quando interpretado por Peter Fisher. Está nas Horas, inspirado em Virgínia Woolf. Encontra-se, neste caso de forma agressiva, no Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller. Na peça de Sartre, Huis Clos, entre duas mulheres. Enfim os exemplos são muitos.

Existem centenas de interpretações homossexuais a que Alexandre Vidal Porto poderia se referir e nenhuma delas significa nem rejeição, tampouco apologia ou propaganda do homossexualismo.

Dois grandes atores, como Richard Burton e Rex Harrison, viveram tal situação na arte. Encontra-se homossexualismo em Toda Nudez Será Castigada, de Nelson Rodrigues, envolvendo um dos personagens. Está no Beijo no Asfalto. Aparece em Perdidos na Noite, aproximando John Voight e Dustin Hofman.

Serrado não condenou homossexuais ou homossexualismo. Ele está seguindo com grande brilho a história de Aguinaldo Silva e a direção de Wolf Maia. Que deseja o articulista? Que ele recusasse o papel? Ou que Aguinaldo tivesse escrito outra história?
Esse é um problema que os artistas, especialmente os autores, enfrentam. Os críticos não se conformam em analisar. Em muitos casos tentam arrasar a obra propondo mudanças até no conteúdo.

Nesta hipótese, seria um outro romance, um outro ensaio, um outro filme, uma outra peça. Ao tocar neste ponto, me veio à lembrança uma excelente reportagem publicada no Jornal do Comércio há alguns anos, reproduzindo longo artigo do intelectual Silvio Romero contra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Silvio Romero, aliás, detestava toda a obra machadiana.

Li com atenção porque meu avô, Pedro do Coutto, historiador, também fizera restrições, aliás sem razão, à obra machadiana.

Silvio Romero via inconsistência em tudo, expressão que utilizou ao comentar o desempenho dos personagens entre as páginas e as linhas do bruxo do Cosme Velho. Nenhum servia, nenhum convencia, nenhum era real. Como se personagens tivessem a obrigação de serem reais. Não há necessidade disso.

Os personagens e a arte estão em cada esquina, em cada praça, em cada residência, em cada local de trabalho. Existem. Ninguém, nem Shakespeare, escreveu até hoje algo que não tenha acontecido. Mover as situações é outro assunto.
O articulista da Folha confundiu o personagem com o ator que o desempenha. Errou. Apreciar beijo gay não tem a ver com tudo isso.
Pedro do Coutto
17 de janeiro de 2012

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