"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

SEM DESISTIR DO DOENTE





Artigos
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.


O projeto anticrack lançado pela presidente Dilma Rousseff foi feito para ser descumprido, até porque as obras e serviços estão em desacordo com os recursos e prazos anunciados pelo governo.

A tradição do governo é não investir sequer as migalhas propagadas. O ex-presidente Lula garantiu R$ 124 milhões ao setor em 2010. Pagou R$ 5,3 milhões. Para este ano, Dilma reservou R$ 33,6 milhões e, até tentar tirar Fernando Pimentel das manchetes com os holofotes contra as drogas, havia investido pouco mais de R$ 4 milhões.

O montante prometido é mil vezes maior, R$ 4 bilhões, valor que reacende a vigilância dos atentos e aguça a ganância dos aliados.

Em um aspecto, no entanto, o plano é plausível, ao tratar da internação sem consentimento do doente. Mas essa foi exatamente a parte criticada pelo colunista Hélio Schwartsman na edição de 13 de dezembro da "Folha".

No artigo "Tratamento na Marra", ele discute, já a partir do título, como essa internação representaria um retrocesso de décadas, "perigoso" e inconstitucional.

Na verdade, é o contrário. O dominado pelo vício tem uma única vontade: fumar pedras dia e noite. Para conseguir isso, ele gasta tudo, vende os bens que tem em casa, passa ao furto e ao tráfico. Enquanto definha, família e autoridades nada podem fazer, pois não há pena prevista na Lei de Drogas nem na da reforma psiquiátrica, a 10.216/01, que foi citada por Schwartsman na sua coluna.

Para quem defende a decisão da vítima, o Estado não deve se intrometer se ela vai do tratamento diretamente para a boca de fumo encher o cachimbo. É a política do "se quiser morrer, que morra" ou do "resolveu entrar, resolva parar".

Claro que quanto menor a interferência do Estado no dia a dia das pessoas, melhor. Mas a cracolândia é o oposto de qualquer símbolo de iniciativa própria. O poder público falha ao controlar a entrada das drogas e a sua circulação. Depois, em vez de sanar o erro, usufrui dele dizendo que se omite para assegurar ao craqueiro o direito de se matar.

A existência da cracolândia é uma negação das liberdades, conviver com ela é afirmar a vitória do banditismo, aceitá-la é sinônimo de covardia e incompetência.

Em nome dessa liberdade sociológica, o paciente só fica na clínica se quiser. Mas ele não quer, pois a dependência é avassaladora.

Uma solução está no projeto de lei 111/10, que apresentei por sugestão de debatedores no Twitter. Ele determina detenção de seis meses a um ano para o usuário e manda o juiz "substituí-la" pelos cuidados com a saúde.

Essa redação afasta o temor manifestado por Schwartsman de o médico prender ou abandonar quem não tem parentes. O controle será do Judiciário, depois de ouvir especialistas.
O que se deve evitar é a saída mostrada no artigo de Schwartsman: levar o dependente ao hospital apenas na iminência da sua morte (para ele ficar apenas "dois ou três dias") e, depois disso, devolvê-lo à sarjeta.

Tratar exige acompanhamento por tempo indefinido. Deixar o dependente se exaurir nas calçadas ou desistir dele em 72 horas é, sobretudo, desumano.

A vida é o maior bem jurídico tutelado e a única coisa que viciados têm além da ânsia pelo crack - esta, cada vez maior e estimulada pela ausência do Estado; aquela, um fiapo envolto em molambos esquecidos para os quais o mesmo Estado diz "dane-se".

Enviado por Demóstenes Torres
04.01.2012

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