"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 1 de abril de 2012

REVOGUEM A ANISTIA (DO MENSALÃO)


As comemorações do golpe de 64 ganharam um alento este ano.
O patético "parabéns pra você" no 31 de março, data inaugural da ditadura militar, andava quase inaudível na caserna, quando ganhou um reforço de peso.

Dessa vez, o Brasil inteiro ouvirá os nostálgicos dos anos de chumbo - graças à ex-guerrilheira Dilma Rousseff.

No final dos anos 70, quando o regime autoritário chegava ao seu último capítulo, o general João Figueiredo assumiu a Presidência da República com um inesquecível brado "democrático": avisou que ia "prender e arrebentar" quem fosse contra a abertura política.

Figueiredo fez escola.
Na polêmica sobre a Comissão da Verdade, Dilma Rousseff botou para quebrar, em nome da democracia. A presidente do governo popular mandou amordaçar militares da reserva que criticaram duas de suas ministras.

As auxiliares de Dilma haviam defendido a revogação da Lei da Anistia - o pacto nacional para a saída da ditadura. Os militares contrariados publicaram um manifesto de repúdio no site do Clube Militar.

Dilma mandou o Exército apagar o texto e enquadrou os militares como insubordinados. Quem for contra a Comissão da Verdade, ela prende e arrebenta (ou pelo menos censura).

Era o que faltava para ressuscitar as almas penadas leais ao golpe de 64. Autoritarismo é vitamina para elas. Mas ser a favor do regime militar também não pode.

O governo de esquerda aceita o pensamento de direita, desde que ninguém o manifeste.

A democracia popular tem dono:
ame-a ou deixe-a. Foi com esse espírito que um bando de militantes de partidos filiados ao poder central foi para a porta do Clube Militar, no Centro do Rio.

Lá dentro ocorria uma homenagem ao movimento de março de 64. Do lado de fora, em defesa dos direitos humanos e da verdade, os manifestantes fecharam a Avenida Rio Branco na marra.

Atiraram ovos contra seguranças do prédio, incendiaram cartazes e tentaram agredir militares que saíam do evento, provocando a reação da polícia que tentava protegê-los e transformando a Cinelândia em praça de guerra.
Um show de democracia.

A Comissão da Verdade pretende investigar os crimes cometidos pela direita no poder. O país não pode mesmo dormir tranquilo sobre certos disparates, como a versão militar de que Vladimir Herzog se suicidou na cela do DOI-Codi.
É um escárnio.

O problema dessa revisão é que não se encontrará a verdade no passado sem saber onde ela anda no presente. Hoje o Brasil é governado pela esquerda.
E a esquerda combateu a ditadura, defendendo a democracia, a liberdade e os pobres.

Como essa autoridade moral foi usada no poder?
De várias formas - algumas delas não contabilizadas.
Quando estourou o escândalo do mensalão, Delúbio Soares, então poderoso tesoureiro do PT, negou o flagrante com convicção:
"É uma conspiração da direita contra o governo popular."

O ex-guerrilheiro José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha, caiu em desgraça, mas fez sua sucessora na Casa Civil:
a "querida companheira de armas" Dilma Rousseff.

Em meio às tramoias, a mística da resistência à ditadura estava intacta. A virtude de mulher-coragem, ex-refém dos militares, levou Dilma longe. Candidata a presidente, transformou em ministra da Casa Civil a obscura companheira Erenice Guerra, também ungida pela mística da militância de esquerda.

Enquanto Erenice caía por tráfico de influência, descobria-se que Dilma se fizera passar pela atriz Norma Bengell numa foto da Passeata dos Cem Mil, em 1968, divulgada por sua campanha.

O que seria dela sem a ditadura?
Dilma não teria sido eleita - nem qualquer outro afilhado revolucionário de Lula - se os companheiros do mensalão tivessem sido punidos. Ali estava, para quem quisesse ver, a conversão de um partido e de uma causa "libertária" em sistema de perpetuação no poder, a partir de um planejado assalto ao Estado.

Transcorridos quase sete anos, essa fraude política sem precedentes permanece misteriosamente no colo do Supremo Tribunal Federal, prestes a sumir do mapa pela extinção do processo.

Aí a Justiça brasileira terá legalizado as palavras do general Lula:
"O mensalão não existiu."

Haverá uma Comissão da Verdade para desenterrar o crime dos heróis da resistência? Enquanto o mito não se desmancha, as vítimas profissionais da ditadura vão fazendo o seu pé de meia.

Na série de revoluções ministeriais, os comunistas se destacaram partilhando o dinheiro do Esporte entre as ONGs amigas do PCdoB. A imprensa burguesa bombardeou essa distribuição de renda e o ministro caiu, mas a companheira Dilma manteve o cargo com a agremiação.

Em comunismo que está ganhando não se mexe (ainda mais em véspera de Copa do Mundo). Assim como o ex-guerrilheiro Fernando Pimentel, que uniu forças com a amiga Dilma e se tornou um próspero consultor, muitos companheiros viverão em paz sob a anistia do mensalão.

Essa, ninguém revoga.

01 de abril de 2012
Guilherme Fiuza O Globo

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