"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 7 de maio de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

A RESPOSTA DE SARTRE


PARIS – Em 1996, uma bomba terrorista explodiu perto do Hotel Argentine onde eu estava hospedado, ao lado da Avenue Foch e do Arco do Triunfo, no alto da avenida Champs Elysées, dentro do “Drugstore”, um minishopping com restaurantes, café, livraria, farmácia. Na mesma hora, um carro preto, de chapa diplomática, parado em frente, saiu às carreiras do local. Alguém anotou a placa. Há sempre alguém anotando as placas.

Imediatamente a polícia francesa foi atrás da placa.E encontrou a placa e o dono da placa, dentro da Embaixada Brasileira, não muito longe dali, na Albert I, em cujo túnel, bem em frente, a bela Diana se espatifou.

Era o carro do adido do Exército brasileiro aqui na França, bravo e pacífico coronel. Estava entrando no “Drugstore” para comprar revistas, quando a bomba estourou. Fez o que tinha de fazer. Saiu às pressas para a embaixada, contou ao embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa.

Dezesseis anos depois, já não há bombas nas ruas de Paris. Mas as eleições foram comandadas por duas poderosas bombas sociais: imigrantes e o desemprego. Ou desarma essas bombas sociais ou a França não terá paz.
Durante séculos, a Europa explorou a Africa, suas riquezas, seu trabalho. Hoje, quer bater a porta na cara dos seus trabalhadores.

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ESQUERDA

Em 1980, eu estava aqui, os jornais anunciaram uma entrevista-bomba de Jean Paul Sartre sobre a esquerda. Fui lá. Já meio doente (morreria cinco anos depois, em 85), com seu rosto tenso e feio e os olhos miúdos piscando muito por trás dos grossos óculos, foi mesmo uma bomba:

1 – “Houve momentos, entre 1935 e 79, em que se sentia que a esquerda estava perdida e depois, de fato, ela não estava. O que há de particular agora é que se trata realmente de uma perda e não de uma derrota. O que se chama de esquerda, está batida, dá para trás, e começa a não mais existir.A esquerda está no chão, mas sem previsão, sem possibilidade de um futuro, pois o que lhe falta é sobretudo a força”.

2 – ‘Para um intelectual, trata-se de tentar redescobrir o verdadeiro problema de esquerda. O que é o homem, o que ele quer, o que ele espera. Não tenho empregado a palavra socialismo. Não estou certo se a palavra socialismo convém à esquerda que é preciso criar.
O filósofo é aquele que procura o que é o homem. A idéia de que a vida social deve preocupar-se em saber o que é o homem é uma idéia moral, antes que material e política. Uma idéia que não existe ainda. Os governantes não se preocupam com ela”.

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DIREITA

3 – “Hoje, muito evidentemente, a direita retomou o poder, as ações, as possibilidades. A direita demoliu a esquerda, tendo em frente um Partido Comunista que exprime uma população que poderia ser a de 1938, sem nenhuma relação com a situação atual, e um Partido Socialista que não tem unidade real e não é grande coisa. O que falta à esquerda é um terreno,
qualquer coisa sobre que possa marchar. Esta hora surge como um fim”

4. “A esquerda perdeu sua animação, sua violência, sua virulência, e não tem nenhum meio atual de as reencontrar. Mas a história é sempre surpreendente e não digo que a esquerda tenha morrido. Há, ainda, os que pensam à esquerda, separados uns dos outros, isolados, desesperados. Estes são os que é preciso reunir, um dia, para buscar o sentido da esquerda. Mas o certo é que, nesta hora, depois de 1978, a direita reina sobre o mundo”.

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HOLLANDE

Na sua lucidez e coragem, Sartre, que enxergava tão pouco com os olhos e tão muito com a cabeça, parecia já estar vendo a queda do muro de Berlim em 1989 e a implosão da União Soviética em 1990. Mas ainda teve tempo de ver, um ano depois, em 1981, a vitoria de Francois Mitterrand, do Partido Socialista. Em 88, Mitterrand se reelegeu e Sartre já não viu mais.

Em maio de 2007, como agora, a direita e a esquerda enfrentaram-se de novo. Esse mesmo Nikolas Sarkozy, que levou a surra de domingo, reuniu o dinheiro dos bancos, o poder das grandes empresas e a quase total máquina da imprensa e derrotou Segolene Royal, do Partido Socialista, no primeiro turno, por 5 %: 31% dele e 26% dela. No segundo turno de 2007, o resultado, a favor dele, foi quase o de agora: 6% – 53% dele e 47% dela.
Domingo, veio a resposta de Sartre: 52% a 48%. A esquerda voltou.

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