"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 7 de maio de 2012

IMAGINÁRIOS DA DESTRUIÇÃO - PARTE 2


b. Fontes de pesquisa
Para a elaboração da tese foram utilizadas fontes primárias e secundárias. As fontes primárias constituíram-se de documentos audiovisuais e impressos. Os principais documentos audiovisuais permanecem os próprios filmes do período nazista e seus roteiros e protocolos, preservados nos arquivos federais e particulares da Alemanha. A maior parte dos filmes citados foi vista naqueles arquivos, muitos em seminários e cursos, outra parte em sessões especiais, mostras e festivais; por fim, na TV e em vídeos e DVDs adquiridos na Alemanha.

A maior parte da documentação relativa ao cinema nazista foi destruída a partir de fins de novembro de 1944 por ordem de Goebbels: “As atas do Ministério não deveriam em hipótese alguma cair nas mãos do inimigo”. Grande parte dos documentos impressos relativos ao cinema nazista foram destruídos a partir de fins de novembro de 1944, por ordem expressa de Goebbels. Contudo, na seção de cinema do Bundesarchiv, em Koblenz, encontram-se pastas com anotações ministeriais sobre a produção dos últimos anos de guerra.

Os relatórios dos serviços secretos de segurança, editados na íntegra, em 17 volumes, sob o título Meldungen aus dem Reich, embora não contenham muitas anotações concernentes aos filmes produzidos no ‘Terceiro Reich’, fornecem ao historiador observações de primeira ordem quanto aos efeitos gerais da propaganda. De interesse são também as duas obras deixadas pelo Reichsfilmintendant (Intendente do filme do Reich), Dr. Fritz Hippler: Fritz Hippler: Betrachtungen zum Filmschaffen, um manual de propaganda editado em 1942, e Die Verstrickung, suas caóticas memórias escritas em 1981.

Para avaliar as estratégias de propaganda, ganham importância os roteiros e protocolos dos filmes (os que foram e os que não foram produzidos); os discursos que Goebbels dirigia aos homens de cinema (editados em anexo à obra básica de Gerd Albrecht, Nationalsozialistische Filmpolitik e, sobretudo); os discursos que Goebbels dirigia aos homens de cinema (em anexo à obra básica de Gerd Albrecht, Nationalsozialistische Filmpolitik); e as diversas anotações sobre cinema nos seus Diários (publicados em diversas edições incompletas).

Esses Diários possuem um trajetória tão singular que merece ser aqui brevemente recordada. Os manuscritos referentes aos anos 1932-1945 foram encontrados pela escritora e intérprete Elena Rzevskaija no Bunker de Hitler, e depositados no arquivo pessoal de Stalin nos subterrâneos do Kremlin. Cadernos anteriores a 1932 haviam sido encontrados em outros lugares e acabaram nas mãos da administração anglo-americana, sendo publicados anos depois.

Em 1969, em visita oficial à DDR, Leonid Breznev levou secretamente a Erich Honecker os microfilmes dos Diários de 1932-1941. Entre 1972 e 1973, a editora Hoffmann und Campe contratou o escritor Erwin Fischer para transcrever os microfilmes de 1941-1945. Em 1977, apareceu o primeiro volume, com as anotações de 1945. Mas em 1980 a editora desistiu do projeto e fechou novo contrato com o Bundesarchiv, através de Martin Broszat.

Sentindo-se lesado, Fischer recusou devolver os microfilmes. O revisionista Franços Genoud reivindicou o direito de propriedade dos Diários, tendo obtido seus manuscritos diretamente de antigos nazistas: em 1955, com ajuda do advogado berlinense Kurt Leyke, ele conseguiu assumir a herança desconhecida dos escritos literários de Goebbels “sem qualquer limitação”. Era discutível se os Diários entrariam naquela categoria. Numa entrada de 22 de outubro de 1936, Goebbels ainda afirmava ter vendido os direitos dos Diários ao diretor da editora do NSDAP[10], Max Amann, para serem editados 20 anos após sua morte. Incluiria esse acordo os anos ainda não vividos?

Em 1985, o Institut für Zeitgeschichte e o Bundesarchiv negociaram o espólio com Genoud, que ganhou 100 mil marcos para transcrever os Diários. Fischer ainda mantinha consigo os microfilmes, mas como não detinha os direitos de sua posse, teve de devolvê-los. Os Diários puderam ser então editados. Contudo a editora Mondadori lançou em 1993 um caderno inédito de 1938, encontrado em 1990 pelo jornalista italiano Francesco Bigazzi num arquivo da ex-URSS. Ainda passarão gerações até que os Diários de Goebbels ganhem sua edição crítica definitiva. [11]

No ‘Terceiro Reich’, diversos jornais e revistas de cinema – Lichtbildbühne, Berliner Illustrierte Zeitung, FilmKurier, Der deutsche Film, Die Filmwoche, Kinematograph, Filmwelt, Der Film, além do jornal oficial do NSDAP, o Völkischer Beobachter, e o Der Angriff, de Joseph Goebbelsestampavam notas de produção, resumos e críticas elaboradas por jornalistas coordenados pelo Ministério da Propaganda e do Esclarecimento Público. Esses periódicos continham resumos e observações que procuravam não apenas influenciar o público, como alertar os produtores e artistas para que modificassem seus estilos, no sentido de uma adaptação progressiva às exigências estéticas e políticas do regime

Críticos identificados com o nazismo, como Hans Bode, Hans Traub, A. Lippert, Schneider, Edmund Kauer, G. C. Klaren, Herbert Ihering, Otto Kriegk ou Rudolf Oertel deixaram livros, artigos e teses, nas quais a história do cinema alemão era reescrita, com a eliminação dos nomes dos diretores, atores e técnicos judeus, como se jamais tivessem existido. De toda essa literatura corrupta, a obra mais infame é Film-”Kunst”, Film-KOHN, Film-Korruption (1937), de Carl Neumann, Curt Belling e Hans-Walther Betz.

Sempre interessantes são as autobiografias dos cineastas, como as de Veit Harlan, Leni Riefenstahl, Arthur Maria Rabenalt, Géza von Cziffra e Luis Trenker, e dos atores, como as de Kristina Söderbaum, Zarah Leander, Heinz Rühmann, Lil Dagover, Ruldolf Fernau, Willy Fritsch, Johannes Heesters, Paul Hörbiger, Viktor de Kowa, Hans Moser, Olga Tschechowa, Gustav Frölich, Marika Rökk, Adele Sandrock e Ilse Werner. Todas essas memórias demonstram como o desejo do sucesso pode ser mais forte que a consciência do Mal do qual se participa – exemplos vivos do que Klaus Mann simbolizou, usando Gustaf Gründgens como modelo, em Mephisto – Roman einer Karriere, obra que permaneceu até 1981 proibida na Alemanha.

Quanto às fontes secundárias, há uma imensa bibliografia geral e uma numerosa bibliografia específica. Os historiadores calcularam, em 1992, em cerca de 50 mil o número das obras que abordaram a temática do nazismo até então, montante que não cessa de crescer a cada ano. Em Hitler Interpretationen, Gerard Schreiber recenseou cerca de 1500 títulos de autores que se ocuparam, desde 1923, até 1983, apenas em interpretar o fenômeno nazista. Em 1984, Ian Kershaw tentou, pela primeira vez, em Der NS-Staat, uma interpretação das interpretações do nazismo. E em 1992 Peter Manstein prometeu uma nova Bibliographie zum Nationalsozialismus cobrindo o período de 1980-2000, acrescida de mais centenas de títulos.

No mar da bibliografia geral, orientei-me por alguns conceitos e interpretações clássicos que me parecem ainda verdadeiros, estando seus autores mais próximos que outros da realidade que analisaram. Adotei a visão do ‘Terceiro Reich’ como sistema totalitário, de Hannah Arendt; a idéia do antissemitismo como paixão irracional, de Jean-Paul Sartre; a teoria da destruição planejada dos judeus, de Raul Hilberg; a sugestão do universo concentracionário como administração da morte e instrumento de controle social, de Bruno Bettelheim e Primo Levi; o conceito de indústria cultural, de Theodor Adorno e Max Horkheimer; o da doença como metáfora, de Susan Sontag; e o da massa como entidade autônoma, de Elias Canetti.

A bibliografia específica sobre o cinema nazista circula nos meios acadêmicos, em estudos desenvolvidos em institutos e universidades européias, americanas e israelenses, o que significa edições limitadas, não destinadas ao público leigo e inevitavelmente esgotadas.

Na Alemanha, Joseph Wulf reuniu uma boa documentação em Theater und Film im Dritten Reich (1966). Erwin Leiser escreveu o pequeno livro clássico Deutschland erwache! (1968) e realizou um documentário de mesmo título. Gerd Albrecht ampliou esses estudos em Nationalsozialistische Filmpolitik (1969) e Film im Dritten Reich (1974). Hilmar Hoffmann analisou a simbólica da bandeira em Und die Fahne führt uns in die Ewigkeit (1988) e questionou a recuperação da produção cultural do nazismo, em Es ist noch nicht zu Ende (1988). Além desses pesquisadores, Hans Barkkausen, Friedemann Beyer, Wiefried von Bredow, Rolf Zurek, Peter Hagemann, Hans Peter Kochenrath, Paul Werner, Karsten Witte e Kraft Wetzel são alguns dos autores que se ocuparam do cinema nazista, produzindo artigos e ensaios bem documentados.

Na Inglaterra, David Stuart Hull, cego entusiasta dos filmes nazistas, publicou Film in the Third Reich (1969). Pesquisadores mais sérios são David Welch, com Propaganda and the German Cinema 1933-1945; e Richard Taylor, com Nazi Propaganda – The Power and the Limitations; e Film Propaganda – Soviet Russia and Nazi Germany. Sempre interessantes são os ensaios de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel.

Na França, Francis Courtade e Pierre Cadars realizaram, em Histoire du Cinéma Nazi (1972), apesar de todas as falhas, um primeiro trabalho de sistematização. Para uma visão geral dos Kulturfilme é fundamental a leitura de La vision nazi de l’Histoire (1988), de Christian Delage.

Na Itália, Cinzia Romani produziu duas obras de divulgação: o pequeno estudo Stato Nazista e Cinematografia (1983) e o álbum Die Filmdiven im Dritten Reich (1985).

Na Suécia, Leif Furhammar e Folke Isaksson mostraram as diversas combinatórias entre a imagem e a ideologia em Cinema e política (1968), dedicando alguns capítulos ao cinema nazista.

Inúmeras teses abordaram diversos aspectos do cinema nazista[12]; mas foi Boguslaw Drewniak, historiador e professor de História da Universidade de Danzig, quem publicou, em 1987, o trabalho mais informativo e completo sobre o filme nacional-socialista: Der deutsche Film 1938-1945.

De todos os cineastas do ‘Terceiro Reich’, Leni Riefenstahl foi quem suscitou o maior número de estudos[13]. O fato de ser a cineasta predileta de Hitler, sua condição feminina em aparente contradição com o universo machista do cinema e do nazismo, sua longevidade e enérgica intenção de não desaparecer da cena pública, de par com a patética postura de inocência, jurando alienação política durante o ‘Terceiro Reich’, contribuíram para sua fortuna crítica.

Mais raros são os estudos gerais sobre o antissemitismo no cinema nazista, como Antisemitische Filmpropaganda, de Dorothea Hollstein; An Analytical Study of the Nazi Treatment of the Jews in Three Films, de Wilhelm Bleckmann; The Nazi Antissemitic Film, de Baruch Gitlis; e L’Image et son Juif, de Régine-Mihal Friedman. Essas obras pioneiras abriram um campo importante da pesquisa histórica através da identificação e da análise dos estereótipos seculares do “judeu”, forjados pelos doutrinadores da Igreja e retrabalhados pelos ideólogos nazistas. Mais recentemente, Yizhak Ahren, Stig Hornshoj-Moller e Christoph B. Melchers revelaram, em ‘Der ewige Jude’ – Wie Goebbels hetzte, a responsabilidade direta de Goebbels na produção daquele filme sinistro.

Para nosso trabalho, três obras bastante específicas foram essenciais: Medizin im Spielfilm des Nationalsozialismus, editada por Udo Bezenhöfer e Wolfgang Eckart; Sterilisation und Euthanasie im Film des ‘Dritten Reiches’, de Karl Ludwig Rost; e Reform und Gewissen – ‘Euthanasie’ im Dienst des Fortschritts, de Götz Aly, Karl Friedrich Masuhr, Maria Lehmann, Karl Heinz Roth e Ulrich Schultz.

Durante as comemorações dos 75 anos da Ufa, vários livros sobre o cinema nazista vieram à luz, entre os quais Die Ufa-Story, de Klaus Kreimeier; Verehrt, verfolgt, vergessen – Schauspieler als Naziopfer, de Ulrich Liebe; Kurt Gerron – Gefeiert und Gejagt, de Barbara Felsmann e Karl Prümm, além dos preciosos álbuns Das Ufa-Buch e Ufa-Magazin. Andrea Winckler-Mayerhöfer publicou o estudo Starkult als Propagandamittel?, sobre o papel das estrelas como figuras de identificação com o público em alguns filmes de entretenimento do ‘Terceiro Reich’. Nesses mesmos filmes, Dora Traudisch analisou a propaganda ideológica voltada contra a mulher em Mutterschaft mit Zuckergruß?. E o jornalista Hans-Christoph Blumenberg investigou Das Leben geth weiter, o último filme produzido no ‘Terceiro Reich’.

A Stiftung Deutsche Kinemathek publica regularmente monografias, ensaios, coletâneas; e, enfim, não cessa de crescer o interesse dos historiadores, tanto alemães quanto estrangeiros, em analisar a ideologia nazista através do cinema, tentando desvendar os métodos que Goebbels empregou em sua produção audiovisual. A historiografia crítica continua a abrir novas perspectivas para a abordagem e a compreensão de um dos períodos mais complexos e espantosos da História. E mais do que examinar as relações entre a arte e a política, nosso propósito é enfatizar os compromissos entre a arte e o crime, revelando o papel que o cinema alemão assumiu na preparação do Holocausto.
07 de maio de 2012

CAPÍTULO 1  - ARQUIVO  30 DE ABRIL DE 2012

3 comentários:

  1. Este texto pertence à tese Imaginários de destruição, de Luiz Nazario. O autor não foi creditado, nem o link do blog do qual este texto foi copiado e colado aqui, sem as referências necessárias.

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    1. Informo ao Sr. Anônimo que o credito devido ao autor foi dado na PARTE 1 do referido texto, bem como a fonte que figura na parte 2.

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  2. A propósito, segue o link (desnecessariamente, pois basta pesquisar no google e lá encontrará o link...), para satisfação dos que o reputam mais importante que o nome do autor: http://tesededoutorado.wordpress.com/

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