"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 1 de julho de 2012

A GUARÂNIA DO ENGANO

“A história do Brasil, vista desde o Paraguai, é outra”(Millôr Fernandes)

Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem os fazendeiros da área. Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem jornalista eleito pelos colorados, resolve seguir o péssimo exemplo de Menem, Fujimori e Fernando Henrique, e deixa clara sua vontade de mudar a Constituição e permanecer no presidência, através do instituto inexistente da reeleição. Seu governo era mais que sofrível e – descupem-nos a imodéstia latreada em nossa história – nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta Magna ao sabor da vontade de presidente algum.

O país se levantou contra a aventura e ele, que o bispo bonachão, justamente por não ser político e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro cativou a multidão, deu conta do recado e catalisou imensa indignação da cidadania.

Filiou-se, pois, a um partido e o escolhido foi o centenário e respeitável PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.

Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.

Lugo poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento. Filhos impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, uma delas com apenas 16 anos quando da gravidez.

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MORDOMIAS E JATINHOS

Vieram os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro. O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista.

Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outras emprestados sabe-se lá por um tais e misteriosos amigos.

Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek, fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente paraguaio: a poderosa binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele precisava ardentemente de um jato para chamar de seu.

Depois mandou que o comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha. Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo! Por fim, nos estertores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de fábrica…

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UM DESGOVERNO

Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia que destoou da regra geral do governo Lugo: competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que o cercava.

A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos foros empresarias, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova história de mais uma negociata dos amigos e companheiros de Lugo. Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos).

Já com Lugo deposto, o secretário mais forte de Lugo, Miguel Lopez Perito, telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores, “na mala”, por fora, não contabilizado, no “caixa 2″.

Que tal? Fato revelado por um diretor da binacional e que demonstra o modus operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país. Seu processo de “Juízo Político” – algo como um processo de impeachment – está previsto na Constituição do Paraguay, e não foi uma travessura histórica de meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares revidando as descortesias de Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos.

Que tipo de presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1 solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos contrários contra apenas 4 senadores fiéis ao seu desgoverno?

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CHÁVES, KIRCHNER E DILMA

O fim de seu governo dói mais a um dolorido Chávez do que a nós. A Senhora Kirchner, radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas sabendo que se abriu o precedente para que os parlamentos expulsem os incapazes.

Na Bolívia o sentimento popular em relação ao sectário e também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá tocar as badaladas do fim de uma aventura mais que improdutiva: raivosa e liberticida.

Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. Foi deplorável o papel do chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava.

Indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção).

O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje. O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras (caso Zelaya)? Se afirmativo, já fica sabendo que passará.

Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se relevou positiva e decente para ambos os países. Mas não temos da austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias.
Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui.

Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento, menos o embaixador brasileiro, que descansa no carnaval de Curitiba, sua cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil.

E a Argentina… Bem, a Argentina não tem embaixador no Paraguay faz alguns meses… Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto. País de necrófilos, chamou um fantasma até a Casa Rosada para consultas. O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam e reforçam os povos.

O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram e ele os traiu a todos. E, por isso, Lugo não voltará.

(*) Artigo enviado por Roberto Nascimento. Chiqui Avalos
combateu a ditadura de Stroessner e fez a campanha de Lugo,
edita a newsletter “Prensa Confidencial”, de grande influência no Paraguai.

01 de julho de 2012
Chiqui Avalos

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