"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 29 de julho de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

JOSÉ ERMÍRIO DEU O TROCO

José de Alencar (o outro, o primeiro, com “de”, o pai de Iracema, a dos lábios de mel, poderoso jornalista, polemista, romancista e político cearense) não gostava do imperador e o imperador não gostava dele.

Dom Pedro II o detestava porque José de Alencar, ainda jovem, com 27 anos, em, 1856 (nasceu em 1829) com o pseudônimo de Ig, no “Diário do Rio de Janeiro”, do qual era redator-chefe, publicou as “Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios”, criticando o imperador.

Depois, Alencar escreveu as “Cartas de Erasmo”, três séries reunidas em três volumes, também criticando o imperador, que nunca o perdoou.

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ALENCAR VETADO

Deputado pelo Ceará em quatro mandatos, de 1861 a 1877, Alencar foi convidado pelo chefe do Gabinete, Visconde de Itaboraí, para ministro da Justiça. Aceitou. O imperador não gostou, mas não vetou. Ainda como ministro, candidatou-se ao Senado. A eleição era em lista tríplice, submetida ao imperador, que, nela, escolhia.

Todo o Ceará sabia que, se entrasse na lista para o Senado, Alencar não seria senador. O imperador não o queria na tribuna do Senado. Os líderes políticos do Ceará estavam informados, foram avisados pelo imperador.

Mesmo assim, o Ceará desafiou e indicou Alencar como o mais votado da lista tríplice. O imperador escolheu o terceiro, o menos votado.

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ERMÍRIO BOMBADO

Amigo de Jânio Quadros desde o governo de São Paulo, o empresário pernambucano-paulista Ermírio de Morais, diretor da Fiesp e pai de José e Antonio Ermírio, sempre ajudou as primeiras viagens à Europa. Jânio me contou, com sua garganta de pato rouco:

- “Era um amigo dileto e discreto. Nunca me pediu nada. Toda vez que fui à Europa, nos meus modestos navios cargueiros, quando chegava lá, havia um pacotinho de dólares me esperando. Um brinde. Mas que delicadeza”!

Na campanha presidencial de 60, Ermírio de Morais financiou Jânio. Presidente, Jânio o indicou para embaixador na Alemanha Ocidental. Embora aprovado na Comissão de Relações Exteriores, foi bombado no plenário.

O PSD e o PTB usaram a votação para mandar o primeiro recado a Jânio. Lembrar-lhe que ele tinha maioria nas ruas, mas no Congresso não.

Ermírio deu o troco ao Senado. Em 62, aliado a Miguel Arraes, candidato a governador, elegeu-se senador por Pernambuco, nas legendas do PTV e PTB.
Em 63, foi ministro da Agricultura de Jango em curto período, de janeiro a junho.

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APARECIDO E ITAMAR

Mais recentemente, outros embaixadores quase bombados foram José Aparecido e Itamar Franco. Motivo: quando chegam no Senado, os escolhidos pelo presidente da República levam o peso das divergências e mágoas de anos e anos de corrosivas disputas estaduais. A política é um rio túmido, quase sempre turvo, que corre dos estados para a Nação, carregando águas e troncos, paus e pedras.

Foi o que aconteceu com José Aparecido, indicado por Itamar Franco para embaixador em Portugal. As fissuras e feridas da silenciosa, e matreira, mas implacável, política mineira, articularam-se contra Aparecido, aprovado por apenas um voto. Pensou em não assumir, mas foi para Lisboa.

Anos depois, Itamar Franco recebeu 25 bolas pretas de votos contra, duas bolas brancas de abstenção e foi aprovado por somente dois votos de diferença. Também falou em desistir, mas acabou embarcando para Roma. Afinal, por que passar recibo na estupidez alheia.

Sebastião Nery
29 de julho de 2012

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