"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

MEMÓRIAS DO MENSALÃO


A falta de vergonha do pizzaiolo (Comentário aqui publicado em 30.8.2005)
Que ninguém espere outro comportamento do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti. É um político fisiológico, sempre foi. Seus princípios são escassos como os fios de cabelo do empresário Marcos Valério. E sua capacidade de se envergonhar é nenhuma.
Severino está empenhado, sim, em livrar o governo de apertos no Congresso mesmo que para isso tenha de promover as manobras mais sórdidas. E está empenhado, sim, escancaradamente empenhado em reduzir ao mínimo o número de deputados a serem cassados por corrupção.
Defende o governo porque ganhou um emprego para o filho mais velho, um ministério para seu partido, e a condição de interlocutor privilegiado de Lula. Tenta salvar a pele de colegas encrencados porque pelo menos um deles, José Janene (PR), líder do PP, ameaça arrastar Severino para a lama se acabar cassado.
Em meados de junho passado, pouco antes das festas juninas, Janene bateu boca com Severino no gabinete do presidente da Câmara. Disse-lhe sem a menor cerimônia que revelará o nome daqueles que se beneficiaram da grana repassada por Valério a pedido de Delúbio Soares. E que Severino foi um deles.
Na entrevista de página inteira publicada, hoje, pela Folha de S. Paulo, Severino apenas corresponde ao que o governo e Janene esperam dele. E o faz sem o menor pudor, valendo-se de argumentos que não resistem à mais leve brisa, com a desfaçatez típica dos que desfrutam de algum tipo de imunidade.
Severino, por exemplo, prega a "adoção de uma pena mais branda do que a cassação de mandato" para os deputados que apenas pagaram dívidas de campanhas com o dinheiro de Valério. Nega que tenha existido o mensalão. E acusa o governo passado de ter comprado votos para aprovar a reeleição.
Está provado que o dinheiro injetado por Valério no cofre de partidos e no bolso de deputados foi dinheiro de caixa 2. Os deputados não declararam à Justiça o dinheiro recebido. Incorreram em crime, portanto. Crime passível de perda de mandato. Mas Severino quer reclassificar o crime.
Como ele pode negar que o mensalão existiu se está provado que representantes de partidos sacaram volumes expressivos de dinheiro da conta de Valério em datas próximas da votação na Câmara de projetos importantes para o governo? Mensalão não significa necessariamente o pagamento mensal de deputados.
Quanto à acusação de que o governo passado comprou votos para aprovar a emenda da reeleição, ela não vale para rebater a certeza de que a prática foi mantida pelo governo atual. Existe uma CPI inspirada pelo governo para investigar a compra de votos no presente e no passado recente. Que cumpra seu papel.
A presidência de Severino é resultado infame da incompetência do PT e do governo de Lula. No momento, pode estar sendo útil aos dois. Mais adiante, a depender da força dos ventos e do surgimento de novos fatos, pode se voltar contra eles. Contra a restauração dos bons costumes políticos, ela sempre agirá.

08 de agosto de 2012
in blog do noblat

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