"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O NEURÔNIO SOLITÁRIO, O MISTERIOSO PADEIRO DE NOVA FRIBURGO E O TELEFONE À PROVA DE CHUVA


Leiam o texto divulgado nesta quarta-feira pelo Blog do Planalto. O terceiro parágrafo merece replay. Volto em seguida.

A presidenta Dilma Rousseff elogiou, durante lançamento do Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais, a central móvel de comunicação para áreas de desastre. Dilma ouviu explicações sobre a central, que permite tirar fotografias, analisar as condições do solo e conectar 14 computadores, além de contar com banda larga e dispositivos para transmissão de dados e voz por satélite, o que permite o uso em todo o território nacional. A central possui bateria de quatro horas mais alimentação por gerador.

Segundo Dilma, a central vai acabar com os problemas de comunicação em áreas de desastre. Durante a cerimônia, Dilma relatou que no início do ano passado, após o desastre climático na região serrana do Rio, só conseguia se comunicar com o vice-governador do estado, Luiz Fernando Pezão, por meio de um telefone de padaria, o único que funcionava na área atingida pelas enchentes.

“Ao entrar, eu fui alertada que a informação no combate ao desastre é estratégica, e a informação implica em sistemas de telecomunicação e em sistemas que também usam computadores e internet. Eu não preciso mais – e não quero mais – falar com o Pezão pelo telefone da padaria, que era o único telefone que funcionava lá na Região Serrana, e na madrugada de vários dias o Pezão só conseguia se comunicar com a gente pelo telefone da padaria. Para evitar a padaria, nós vamos ter de ter estruturas de comunicação móveis”, disse.

Ou para livrar-se de pitos ou porque simplesmente não entendem dilmês, os redatores do Blog do Planalto não ousam mexer nas discurseiras da presidente. Devolvem aos verbos no infinitivo os erres guilhotinados, eliminam as pausas que denunciam a solidão de um neurônio na selva das palavras e cortam expressões repetidas, mas nem tentam melhorar o que ouviram no gravador. Além desta coluna, só o Blog do Planalto exibe sem retoques o que vai pela cabeça de Dilma Rousseff.

O parágrafo final informa, por exemplo, que nada do que a presidente viu na Região Serrana em janeiro de 2011 pareceu-lhe mais impressionante que o caso do telefone da padaria. O fiasco do programa de prevenção de enchentes, as tapeações de palanque que prometeram obras jamais executadas, as centenas de mortos, os milhares de flagelados ─ essas coisas todas, um ano e meio depois da tragédia, foram varridas da memória indigente.

O que deixou indignada a presidente foi ter de falar com o Pezão ─ Luiz Antonio Pezão, o vice que assume o governo uma vez por semana porque Sérgio Cabral está em Paris ─ entre uma salsicha no vinagre e a coxinha que matou o guarda. Achou isso especialmente incômodo sobretudo “na madrugada de vários dias” em que o pressuroso Pezão ligava para saber como andavam as coisas por lá.

É aí que a coisa emperra. Dilma visitou a Região Serrana em 13 de janeiro, dois dias depois das inundações devastadoras. Sobrevoou a área conflagrada a bordo de um helicóptero, caminhou menos de 300 metros por uma rua de Nova Friburgo (sem fazer escala em nenhuma padaria) e voltou para o Rio. Sempre escoltada por sete ministros e pelo governador Sérgio Cabral, que acabara de chegar de Paris, prometeu construir milhares de casas que continuam em algum contrato com a Delta. E foi descansar em Brasília.

A história da padaria parece tão consistente quanto as casas que nunca desceram do palanque. Quer dizer que todos os integrantes da comitiva esqueceram o celular em casa? Ou nenhum funcionou? Se estava junto com o governador, por que resolveu conversar com o vice Pezão? Se não passou a madrugada em Nova Friburgo, é improvável que Pezão tenha decidido localizar a presidente numa padaria da cidade. Se fez isso, o proprietário decerto deduziu que algum bêbado insone e com mania de grandeza resolvera importuná-lo por telefone.

Pena que a história seja tão verdadeira quanto os falatórios dos bacharéis do mensalão. Caso existisse, o padeiro de Nova Friburgo mereceria uma ovação de balançar o antigo Maracanã. Não por ser o dono do único telefone à prova de chuva da Região Serrana, mas porque acabou de livrar-se de Dilma Rousseff. Eis aí uma notícia que deixaria eufórico o mais depressivo dos brasileiros.

09 de agosto de 2012
Augusto Nunes

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