"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 5 de agosto de 2012

O PROGRESSO TOCOU NOS LIMITES DA TERRA: O MUNDO É FINITO

Não tem mais remédio: o tempo histórico do capitalismo acabou. Não estaremos longe da verdade se entendermos a tragédia atual da humanidade como o fracasso de um tipo de razão predominante nos últimos 500 anos. Com o arsenal de recursos de que dispõe, ela não consegue dar conta das contradições criadas por ela mesma. Com a ruptura entre a razão objetiva (a lógica das coisas) e a razão subjetiva (os interesses do eu), esta se sobrepôs àquela a ponto de se instaurar como a força exclusiva de organização histórico-social.



Essa razão subjetiva se entendeu como vontade de poder e poder de dominação sobre pessoas e coisas. A centralidade agora é ocupada pelo poder do “eu”. Ele gestará o que lhe é natural: o individualismo. Este ganhará corpo no capitalismo, cujo motor é a acumulação privada e individual.
Foi uma decisão cultural altamente arriscada a de confiar exclusivamente à razão subjetiva a estruturação de toda a realidade. Isso implicou uma verdadeira ditadura da razão, que recalcou ou destruiu outras formas de exercício da razão, como a razão sensível, simbólica e ética, fundamentais para a vida social.

O ideal que o “eu” irá perseguir irrefreavelmente será um progresso ilimitado, no pressuposto de que os recursos da Terra são ilimitados.
Mas eis que depois de 500 anos, nos damos conta de que a Terra é pequena e finita.
O progresso tocou nos limites da Terra.
Não há como ultrapassá-los. Agora, começou o tempo do mundo finito. Não respeitar essa finitude implica tolher a capacidade de reprodução da vida na Terra e pôr em risco a sobrevivência da espécie. Cumpriu-se o tempo histórico do capitalismo. Levá-lo avante custará tanto que acabará por destruir a sociabilidade e o futuro. A persistir nesse intento, se evidenciará o caráter destrutivo da irracionalidade da razão.

O mais grave é que o capitalismo/individualismo introduziu duas lógicas que se conflitam: a dos interesses privados dos “eus” e das empresas e a dos interesses coletivos do “nós” e da sociedade. O capitalismo é, por natureza, antidemocrático. Não é nada cooperativo, é só competitivo.

Teremos alguma saída? Apenas com reformas e regulações, mantendo o sistema, como querem os neokeynesianos (Stiglitz, Krugman e outros), não. Temos que mudar se quisermos nos salvar.

Para tal, antes de mais nada, importa construir um novo acordo entre a razão objetiva e a subjetiva. Isso implica ampliar a razão e libertá-la do jugo do poder-dominação. Urge resgatar a razão sensível para se compor com a razão instrumental. Aquela nos permite fazer uma leitura dos dados científicos da razão instrumental. A razão sensível desperta em nós o cuidado pela vida e pela mãe-Terra.

Impõe-se uma nova centralidade: não mais o interesse privado, mas o interesse comum, o respeito aos bens comuns da humanidade e da Terra. A economia precisa voltar a fazer aquilo que é de sua natureza: garantir as condições das vidas física, cultural e espiritual de todas as pessoas.
A política deverá se construir sobre uma democracia inclusiva de todos os seres humanos para que sejam sujeitos da história, e não meros assistentes ou beneficiários. Por fim, um novo mundo não terá rosto humano se não se reger por valores ético-espirituais compartidos, na base da contribuição das muitas culturas.

Todos esses passos possuem muito de utópico. Mas, sem a utopia, afundaríamos no pântano dos interesses privados e corporativos. Felizmente, por todas as partes do mundo, despontam ensaios antecipadores do novo, como a economia solidária, a sustentabilidade e o cuidado com tudo o que existe e vive.

Nenhum comentário:

Postar um comentário