"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 14 de agosto de 2012

PARADOXO POPULAR

 

Nem tudo que é popular é justo, aceitável, verdadeiro ou incontestável. Disso dá notícia a História, a vida e as duas vitórias eleitorais do PT para a Presidência da República depois do advento do mensalão.

Segundo pesquisa do instituto Datafolha, maioria expressiva (73%) da amostragem de 2.592 pessoas ouvidas uma semana depois de iniciado o julgamento no Supremo Tribunal Federal considera tratar-se de um caso de corrupção e espera pela condenação dos envolvidos.

Tal convicção não decorre da perfeição jurídica do relato dos autos, inacessíveis à avaliação leiga. A acusação não convence a maioria por estar juridicamente com a razão, mas porque sua narrativa faz sentido: conta que um partido valeu-se das facilidades do poder para arrecadar muito dinheiro e com ele conseguir sustentação política de que necessitava para governar.

Houve manipulação de grandes somas onde deveriam prevalecer posições políticas; é isso que as pessoas entendem e consideram impróprio.

Uma boa parte (43%), contudo, não acredita que haverá condenação, expressando algo que pode ser visto de duas maneiras: desconfiança na eficácia da Justiça e/ou antídoto prévio a frustrações devidas a um farto histórico de impunidade.

A adesão popular à tese defendida pela Procuradoria-Geral da República não quer dizer que o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal vá ou deva necessariamente atender a essa demanda.

Tampouco é possível inferir que os resultados daquelas eleições vencidas pelo PT (reeleição de Lula e vitória de Dilma Rousseff) no pós-mensalão teriam sido diferentes se o enredo tivesse sido contado com a cadência e exposição de agora, porque a mesma pesquisa registra que 50% não se deixarão influenciar pelo resultado do julgamento na hora do próximo voto, em outubro.

Algumas conclusões, porém, são admissíveis. A primeira delas: o PT está longe da realidade quando diz que a população só quer saber de novela e de olimpíadas.

A segunda: a versão de que o mensalão é fruto de uma fantasia oposicionista simplesmente não pegou.

Um último aspecto, relacionado à desconexão entre o voto e o resultado do julgamento pode, em princípio, soar estranho em face da expectativa de condenação.

Mas, se lembrarmos que o PT ganhou duas eleições presidenciais com mensalão e tudo - uma delas ainda sob o eco da CPI - vamos acabar concluindo que a população exige rigor da Justiça, mas não é tão rigorosa assim na hora de votar.
Um dado para se pensar antes de reclamar dos políticos e dos juízes.

Sujeito oculto. Muito esperto o advogado de Roberto Jefferson tentando desmontar o trabalho do Ministério Público sob a alegação de que a acusação é nula porque não incluiu o "mandante", Lula.
Como teatro, eficiente. Para o julgamento, apenas um sofisma dada a proteção garantida pela ausência do personagem nos autos.
Para a imagem de Lula, porém, o chamamento ao centro da cena naqueles termos não é tão inócuo assim.
Desalinho. Na última sexta-feira, o ministro Antonio Dias Toffoli foi a uma festa em Brasília. Ia alta a madrugada quando explodiu em pesados palavrões referindo-se ao jornalista Ricardo Noblat que acabara de sair, mas voltou a tempo de ouvir e relatar a história em seu blog momentos depois.
Talvez pela interpretação de que se tratava de um caso atinente à vida particular de Dias Toffoli, os jornais não deram repercussão ao episódio e provavelmente por esse motivo o ministro não reagiu nem desmentiu.
A gravidade aí não está no fato de os impropérios terem sido dirigidos a um jornalista, mas por terem sido proferidos em público por um julgador de instância suprema cujo papel institucional requer equilíbrio, distinção, maturidade e, sobretudo, noção de limite.

14 de agosto de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

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