"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

DIA VIRÁ EM QUE AS FAMÍLIAS SE ORGANIZARÃO PELO AFETO

 

Sei que o mundo anda pegando fogo nos últimos dias; que as intrigas em torno do mensalão aumentam; que o Cruzeiro Esporte Clube segue ladeira abaixo no Brasileirão.
Mas deixo tudo isso de lado e resolvo tratar de um tema que vem me atormentando há algum tempo: o direito de herança. Estando nos Estados Unidos, vou atrás de documentos sobre a morte de meu irmão mais velho, ocorrida em Boston, há mais de 12 anos, a pedido de familiares.
O motivo é resolver uma pendência em torno da titulação de um imóvel nas cercanias de Belo Horizonte.



Isso me leva de volta aos tempos em que me inscrevi para a disputa de uma vaga no curso de mestrado em ciências políticas, na UFMG, com uma monografia sobre o direito de herança na extinta Iugoslávia.
A questão era interessante. A lei civil iugoslava, sob o regime socialista, previa a distribuição dos bens do falecido entre aqueles que houvessem contribuído para a construção do patrimônio do finado. O problema era identificar os critérios determinantes da colaboração, sob a égide da ideologia lá então dominante.

Por ironia, acabei identificando, nos últimos dias, uma similitude entre o regime jurídico da era do marechal Tito e as disposições testamentárias de um milionário norte-americano, chamado Odd Odsen Júnior, solteiro e sem filhos, que morreu com 52 anos, não sem antes prescrever a divisão da sua fortuna entre a irmã e mais 18 imigrantes brasileiros que haviam trabalhado em sua empresa. Dois deles, aliás, ainda estão lá. Segundo o que foi amplamente noticiado, todos eram originários de Santa Catarina, e cada um vai receber uma bolada de mais de US$ 300 mil.

###

LAÇOS DE SANGUE


Sei que vou contrariar muita gente, mas não acho que os laços de sangue devam ser o critério determinante da sucessão.
É claro que situações bizarras como a de ricaços que deixam suas fortunas para animais de estimação não deveriam ser toleradas, mas achar que o “amor” filial e fraternal é sempre verdadeiro e motivação bastante para justificar a sucessão não me parece adequado.

Para falar a verdade, estou cansada de presenciar situações em que o dito amor não passa de um temor reverencial ao proprietário dos bens: à frente dele, futuros herdeiros desmancham-se em mesuras.
Nos bastidores, calculam friamente futuros investimentos, enquanto blasfemam e assacam imprecações.

Sinceramente, acredito que nossos legisladores deveriam se debruçar sobre fórmulas que rompessem as amarras do “jus sanguinis” e oferecessem à sociedade soluções mais solidárias na dita sucessão “causa mortis”.

O novo Código Civil passou mais de 30 anos nos escaninhos do Congresso Nacional. Entrementes, o mundo mudou.
Quando o senador ACM decidiu votá-lo na marra, o novo código já nascia velho! O que nos consola é que a vida leva a mudanças legais, e a democracia facilita a implementação das mudanças.
Dia virá em que as famílias, nas suas mais diversas formas, se organizarão efetivamente pelo afeto e não pela necessidade sistêmica da reprodução egoística da riqueza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário