"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O MST NASCEU NA CROÁCIA

 

Chamava-se Matija Gubec. Foi o primeiro grande líder trabalhador rural que fincou raízes da história do Ocidente. Uma figura fascinante. Um Zapata eslavo, numa Tiapas croata. É o Tiradentes da Croácia, queimado vivo em praça pública e imortalizado no imaginário popular.

A centenas de quilômetros de Split, adorável cidade com a maciez de Salvador, à beira-mar das margens azuladas do Adriático abraçado a mil ilhas, fica Zagreb, a capital, principal centro cultural de toda a antiga Iugoslávia.

Lá, há um belo museu todo dedicado a ele, com inumeráveis quadros pintados por gente do interior, pintores primitivos que vivem e trabalham no campo e mandaram seus desenhos para a grande exposição nacional que vi em 1973, quando a Croácia celebrou os 400 anos de sua morte e a permanência do nome de seu grande herói na memória popular.

Em 1573, Gubec levantou o interior da Croácia contra o escravagismo branco dos senhores feudais do império austro-húngaro dos Habsbourg.

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MATIJA GUBEC

Cansado da espoliação dos camponeses nas imensas terras feudais da Croácia, ele reuniu, organizou, armou milhares de companheiros com seus facões, foices e espingardas de matar passarinho, proclamou o direito de posse da terra para os que nela trabalhavam e ficaram esperando o castigo divino dos senhores feudais, a UDR daqueles desertos campos sem fim.

Vestidos com suas roupas de cortar mato, com os pescoços cobertos de ramos de uma planta que consideravam eterna, porque continua verde no inverno e na neve, os guerrilheiros de Dubec deram muito trabalho.
Mas acabaram derrotados, ele preso, algemado com as mesmas algemas negras que vi no seu museu, levado para o centro de Zagreb e queimado vivo na praça.

No processo de condenação, estão lá, até hoje, suas duas últimas frases, de extrema força, fulminante beleza literária e absoluta consciência da história:

1. “Mesmo no inferno, minha alma não vos deixará em paz, enquanto o povo do campo sofrer”.

2. “Vós, oh! estrelas, sois felizes porque meu coração pesado me diz que vereis meu povo croato livre e feliz”.

A perenidade de sua mensagem rural é tal que o segundo maior partido do país de 5 milhões de habitantes é o HSS (Partido dos Camponeses Croatas).

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MARECHAL TITO

Gubec é que explica Tito, também croata, nascido em Kumrovec, pequena vila croata perto de Zagreb, a 50 quilômetros da vila de Kubec. Os heróis geralmente são filhos da morte. Nascem nas sepulturas. Mas a história às vezes faz alguns serem em vida sinônimos de seu povo, sua pátria.

Um dia, em 1941, Hitler desceu com suas tropas invencíveis sobre os vales da Eslovênia, da Croácia, da Sérvia.
Um operário metalúrgico, baixo e troncudo, filho de lavrador, nascido em 1892, líder sindical desde 1910, que em 17 lutou contra a intervenção estrangeira na Rússia e em 36 contra Franco na Espanha, e já era secretário-geral do pequeno e inexpressivo Partido Comunista na ilegalidade, lançou uma proclamação a seu povo e aos vizinhos e os convocou à luta unitária, total, acima de partidos e das posições políticas.

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STALIN

Tito foi para as montanhas, lá instalou o quartel general da resistência e levantou o país de armas na mão, com 700 mil homens iugoslavos lutando sob seu comando. Em 17 milhões, morreram 1 milhão e 700 mil pessoas.

Quando as tropas aliadas (russos, americanos e ingleses) chegaram a Belgrado para terminar a vitória sobre Hitler, ele, à frente de seu povo, pôde dizer a Stalin, Roosevelt e Churchill que a Iugoslávia já havia enxotado Hitler.
E por isso Tito, até morrer em 80, jamais se curvou aos soviéticos e aos americanos, liderou os “povos não alinhados”, inovou com o “socialismo com liberdade” e por isso acabou precisando desafiar abertamente Stalin, que felizmente não teve a audácia e a loucura de invadir a Iugoslávia, como os soviéticos depois invadiram a Hungria e a Tchecoslováquia.

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WALESA E LULA

Quando se fala no fiasco político do governo de Lesh Walesa na Polônia ou no governo Lula, sempre lembro Tito, que conheci em 57 e entrevistei em 73 em Brione, pequena ilha de verão ali perto de Split. Três metalúrgicos construíram partidos e chegaram ao poder.

Tito, das cinzas da guerra, levantou e construiu a grande e múltipla nação iugoslava de seis repúblicas (Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia, Macedônia e Montenegro), sangradas por divisões depois da morte dele.

Em um velho livro muito atual, “A Nova Classe” (a tomada do poder por lideranças sindicais desastradas e vorazes), Milovan Djilas, brilhante intelectual que chegou a ser o segundo dirigente da Iugoslávia, sacudiu todo o mundo comunista.

Foi expulso do partido e a história provou que estava certo. Um jornal, não sei qual, disse que Tito o mandou para a Sibéria, em 50. Errado. Ficou preso de 56 a 66 em Belgrado, onde o visitei na cadeia. Escreveu “Conversações com Stalin”. E outros. Morreu há pouco alguns anos.

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