"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

MERCENÁRIOS

  
          Notícias Faltantes - Foro de São Paulo 
Essa abundância de interesses estrangeiros não busca senão uma coisa: o triunfo político e definitivo das FARC nessa estranhíssima e distante mesa de negociação e que a Colômbia caia no mesmo saco diabólico da ALBA.

O que o ex-ministro Álvaro Leyva Durán acaba de dizer ao matutino El Colombiano sobre as negociações que se abrem dentro de dois dias em Oslo, entre o governo colombiano e as FARC, é de grande importância. Mais que isso, constituem uma total revelação. Surpreende que as autoridades e os analistas desse tema tenham guardado silêncio a respeito.

O homem que idealizou a nefasta desmilitarização de 62.000 km² no Caguán para tramitar ali umas “negociações de paz” de três anos sob o patrocínio do presidente Andrés Pastrana, conhece muito bem as FARC e não precisamente por havê-las combatido. Todo o contrário. Não há ninguém que tenha feito tanto quanto Leyva no trabalho de intermediação oficiosa entre a chefatura dessa organização insurgente e o poder executivo colombiano. “Estou nisso desde 1984”, admite ele com inocultável orgulho.

Desta vez Leyva sublinhou algo mais, porém com uma ponta de amargura: que ele havia sido portador, há mais de um ano, de uma mensagem de Alfonso Cano para o presidente Santos, que finalmente havia desdenhado. Leyva não diz, porém quando ele recebeu essa mensagem o chefe das FARC já estava, pelo que contou a imprensa, sob a perseguição das Forças Especiais da Quinta Divisão do Exército. Elas o haviam tirado do Cañon de las Hermosas, na Cordilheira Central, o haviam empurrado para a Ocidental e terminaram por cercá-lo em Suarez, Cauca, onde lhe deram baixa em combate em 4 de novembro de 2011.

Porém, o ponto não é esse. O importante é o que Leyva disse em seguida sobre a natureza profunda das supostas conversações de paz em Oslo e Havana. O ex-ministro disse, com efeito, o seguinte: “Para precipitar o diálogo [com as FARC] o Presidente [Santos] compartilhou a chave com Chávez. Não tenho a menor dúvida, ademais [que contou] com a aceitação dos Estados da ALBA. Isso é importante que as pessoas saibam. Este processo vai depender mais do que Chávez possa fazer, do que da boa intenção que o Presidente [Santos] possa ter”.

Tudo reside na frase muito realista e conclusiva do ex-ministro: “Este processo vai depender mais do que Chávez possa fazer, do que da boa intenção que o Presidente [Santos] possa ter”.
Se Leyva está correto (e não há nada que o contradiga), o processo que todo mundo na Colômbia percebe como um assunto interno, como um processo entre colombianos e para os colombianos, não o é.

Trata-se antes de uma negociação sob céus estrangeiros na qual vários países (sobretudo Cuba e Venezuela) e inúmeras instâncias de poder do continente (os Estados da ALBA) intervirão, operarão e terão a última palavra para que o resultado final disso seja de todo favorável às FARC e não precisamente aos colombianos, nem às instituições democráticas colombianas, nem às centenas de milhares de vítimas das FARC. Ou será que os regimes de Cuba e Venezuela, e seus aliados da ALBA, estão agora pela paz e a favor de que sejam sancionados os crimes do comunismo na Colômbia, e pela consolidação do modelo econômico liberal colombiano?

Não, essa abundância de interesses estrangeiros não busca senão uma coisa: o triunfo político e definitivo das FARC nessa estranhíssima e distante mesa de negociação e que a Colômbia caia no mesmo saco diabólico da ALBA.

Santos poderá controlar o processo que acaba de abrir? Poderá levar adiante nessa misteriosa mesa de negociação os interesses colombianos? Quais são os “interesses colombianos” na mente do presidente Santos? Nos perguntamos isso, pois Santos parece ignorar que incorre no mesmo erro que Belisario Betancur cometeu em sua época: fazer concessões fortes à subversão antes de entrar para negociar com ela. Santos lhes ofereceu o chamado “marco legal para a paz”, quer dizer, uma garantia de impunidade total para milhares de crimes e delitos, inclusive os mais atrozes e detestáveis, e lhes deu tudo o mais que lhe pediram nestes dias: inúmeros salvo-condutos para viajar pelo país e pelo mundo inteiro, delegações de animadores em Oslo, enormes e animadas pelos comunistas caviar, golpes baixos nos jornalistas mais críticos e desestímulo aos porta-vozes das vítimas das FARC, como se viu nas últimas horas.

As coisas vistas assim, é legítimo se perguntar: estamos ante umas negociações de paz? Estamos ante um processo contrário, de entrega do país a um bando criminoso e a seus aliados estrangeiros?
A análise de Álvaro Leyva destaca, talvez sem querer, outro aspecto: o caráter mercenário das FARC.
Esta “negociação de paz”, por exemplo, se poderia dar pois um poder estrangeiro deu às FARC a permissão de fazê-lo. Isso é normal: as FARC sempre trabalharam em defesa de interesses alheios. Desde os anos 1950 até o colapso da URSS, as FARC (ainda suas formas embrionárias) fizeram o que o Kremlin exigia delas.

Desde meados dos anos 1960, as FARC prosseguiram sua matança de colombianos segundo as instruções tanto de Moscou como de Havana. Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, as FARC mantiveram sua docilidade ante esse regime. As FARC nunca atuaram com uma linha colombiana. Nunca lutaram pelas pessoas. Por isso é que agora, nas vésperas de Oslo, os porta-vozes das FARC gesticulam ante as agências de imprensa internacionais para se mostrar como atores incompreendidos da luta pela democracia, como heróis vitimizados que vão dar, finalmente, liberdade, paz, justiça, alimentos, saúde, terra e independência nacional aos colombianos. Semelhante cobrão não engana a ninguém, porém certa imprensa e certos grupelhos, para conservar sua hegemonia, parecem dispostos a engolir esse animal inteiro.

O irrealismo e o messianismo dos chefes das FARC, a mentalidade de guerra fria e o esquema conhecido de “tudo ou nada” seguem prevalecendo. Basta ver as intervenções dos Timochenko, Jaramillo e Granda, desde Cuba e Venezuela, e até as próprias declarações de Álvaro Leyva Durán. Ele decretou ante El Colombiano que “a solução não está nos poderes constituídos”, quer dizer, que a paz vai ser negociada e decidida em instâncias que não têm nada a ver com a institucionalidade colombiana. O ex-ministro remata com isto, para que não restem dúvidas sobre o caráter exógeno da solução que as FARC estão buscando: “Esta paz não pode ser pela metade”, pois “os senhores das FARC nem os do ELN vão se prestar a que os extraditem”.

Leyva propõe que as outras democracias e o direito internacional humanitário sejam jogados pela janela, nestes termos elegantes: “Aqui o que se procura é uma situação jurídica final que permita extrair os interesses internacionais e a jurisdição internacional”. Vamos ver se, nessas condições, as “negociações” podem levantar vôo.
 
Escrito por Eduardo Mackenzie
Tradução: Graça Salgueiro

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