"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 16 de dezembro de 2012

EM ALTO PARAÍSO, NO ESTADO DE GOIÁS, O FIM DO MUNDO É O MÁXIMO

Cidade, que segundo místicos escapará da catástrofe prevista pelos maias, se prepara para receber multidões


Construção em forma de disco voador e um boneco ET na entrada da cidade de Alto Paraíso de Goiás
Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo
Construção em forma de disco voador e um boneco ET na entrada da cidade de Alto Paraíso de GoiásGivaldo Barbosa / Agência O Globo

Alto Paraíso, GO - O fim do mundo virou conversa de bar em Alto Paraíso. Às vésperas do dia 21 de dezembro, data que, de acordo com o calendário maia, encerra um ciclo de 5.125 anos e marca o fim do planeta, a cidade do interior goiano, encravada na Chapada dos Veadeiros, só pensa nisso.
Não é à toa. Cético ou crédulo, difícil é encontrar algum morador alheio ao assunto.

A crença de que a localização da cidade pode protegê-la do apocalipse fez a venda de terrenos explodir este ano.
As reservas nas pousadas para a próxima sexta-feira estão esgotadas.

Com medo de desabastecimento, a prefeitura orientou a população a estocar comida. Até os que não dão bola para a previsão temem que, pelo menos em Alto Paraíso, o mundo acabe de verdade.

Cortada pelo paralelo 14, que também atravessa Machu Picchu, no Peru, Alto Paraíso fica sobre uma placa de quartzo de quatro mil metros quadrados cercada por rochas e paredões. Os místicos acreditam que a força dos cristais protege a cidade de qualquer Armagedom.
A dúvida é o quanto poderá protegê-la da horda de turistas. A prefeitura estima dez mil, numa cidade com sete mil habitantes.

O trauma da virada de 1999 para 2000 ainda está fresco na memória local. Naquele ano, uma conjunção inédita de astros também profetizava o fim dos tempos.
O resultado foi uma crise de abastecimento nos supermercados e um apagão pela sobrecarga elétrica devido aos três mil turistas.
— Algumas pousadas estão contratando gerador de energia — explica o corretor imobiliário Nilton Kalunga, que se prepara para o seu segundo fim do mundo.

Outra medida é o estoque de comida, incentivado pela prefeitura. O arquiteto alemão Alexander Potratz, que desde 1976 adota o nome Satya, tem um balde de feijão no porão:
— Se o mundo não acabar, eu revendo e ganho em cima. Só não quero ser pego desprevenido — brinca Potratz.
A secretária de Turismo de Alto Paraíso, Fernanda Inês Montes, de 23 anos e piercing no nariz, diz que ruas serão interditadas para impedir o grande fluxo de carros. Hospitais próximos foram avisados para reforçar o plantão.
O batalhão de polícia deverá aumentar o efetivo. Na dúvida, a secretária aconselha:
— Eu mesma tenho comprado velas para o caso de faltar energia elétrica. E, embora não acredite no fim do mundo, minha família, de Minas, vem passar aqui perto de mim.

Em parte devido à crença de que só Alto Paraíso vai se salvar, em parte devido à procura de europeus, o preço dos imóveis na cidade disparou: o metro quadrado de terreno dobrou, em média, de R$ 30 para R$ 60, diz o corretor Nilton Kalunga, dono da principal imobiliária da cidade:
— Nos últimos 40 dias, as vendas cessaram. Efeito do fim do mundo.

Entre as centenas de místicos e religiosos da cidade, poucos creem no fim do mundo no dia 21. Mas acham que não vai demorar.

Juiz aposentado e ufólogo, João Tadeu Severo de Almeida comprou o maior hotel da cidade, reformou os 26 quartos e decorou o espaço com bonecos de extraterrestres e luzes estroboscópicas verdes, pertinentes para quem diz ter avistado ETs em duas ocasiões só este ano.
Para sexta-feira, preparou uma programação especial: contratou o show de um cover de Raul Seixas para o baile “O dia em que a Terra parou” e comprou um estoque de uísque e cerveja.
— Não acredito no fim do mundo para agora, mas acho que está próximo — sentencia.

A cidade terá uma programação de shows. O convidado especial será Paulinho Moska, autor de “O último dia” (Meu amor/ O que você faria se só te restasse esse dia?/ Se o mundo fosse acabar...).

Artistas locais devem se apresentar. Cigarrilha de palha na mão, cabelos encaracolados compridos, o cantor Júnior Tana, estudioso das profecias maias há oito anos, diz que não será no dia 21 o tão temido momento. Tanto que marcou seu show para o dia 22.

Precavido com o primeiro apocalipse frustrado, o corretor Kalunga promete que, para além das grandes catástrofes ou pequenas confusões, uma ida a Alto Paraíso pode virar a cabeça de uma pessoa:

— Se você tiver tendência de ser doido, endoida. Se tiver tendência a virar a mão, vira baitola. Se chega macho, fica feroz. Solteiro, casa. Casado, separa. É tudo devido à energia do cristal.

16 de dezembro de 2012
Guilherme Amado

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