"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 24 de julho de 2012

O NOVO VOO DA GALINHA

 

Não há muito tempo, quando o País ainda tentava sair de duas décadas de estagnação, tornou-se usual comparar nossas desventuras ao voo de uma galinha. A comparação remetia à vulnerabilidade do balanço de pagamentos que demandava desvalorizações cambiais espasmódicas, que pressionavam a inflação e exigiam elevações periódicas nas taxas de juros, estancando o crescimento.

Muita coisa mudou.
O excesso de reservas, quem diria, passou a ser visto como um problema.
A economia, no entanto, voltou a patinar.
Estamos parando.

Culpar apenas a crise internacional é descabido. Seria melhor se o mundo não tivesse se transformado num lugar tão perigoso, mas as conexões que mantemos com o resto do globo são limitadas. O Brasil é uma economia ensimesmada. Somos locais.

As exportações representam uma parcela pequena do PIB, o financiamento internacional é apenas complementar, os bancos brasileiros dominam o mercado, o financiamento da dívida pública é feito quase totalmente por brasileiros.

Nossa estagnação reflete, predominantemente, nossas próprias fraquezas e é, na sua maior parte, explicada pela conjugação entre o esgotamento de um ciclo de endividamento acoplado ao exaurimento do padrão de crescimento industrial. A história do crédito é conhecida. Em números:
nos dez anos terminados em 2011, o crédito total na economia brasileira cresceu mais de 500%.

No ano passado, no entanto, a inadimplência deu um salto (35%), continuou crescendo e forçou os bancos a uma política de crédito mais seletiva.

Um típico sofisma da composição, ensinado no primeiro ano dos cursos de Economia. Se cada um dos bancos corta o crédito, todos, no conjunto, tendem a ter mais inadimplência (porque a produção e a renda se contraem). Assim funciona uma economia de mercado (a alternativa seria uma planilha do Gosplan, o que ainda não se cogita).

Com o tempo - nada como o tempo para passar - as famílias vão gradativamente recuperar a capacidade e o apetite para um novo ciclo de crédito.

A vulnerabilidade da indústria é mais complexa, porque nem o tempo resolve.
O setor vem sendo esmagado por custos crescentes e progressiva exposição aos produtos importados. Também em números:
nos dez anos terminados em 2011, o custo da energia elétrica industrial aumentou 165%, para uma inflação medida pelo IPCA de 88%.

Os salários industriais, por sua vez, subiram 134%, ao passo que o recolhimento de IPI saltou quase o mesmo, 133%.

O valor do dólar, no entanto, caiu 28%, o que ofereceu a indústria à concorrência predatória das importações (a importação de bens duráveis, medida em reais, subiu 764% nesse período). Nesse contexto, o único "espírito animal" que ainda resta no empresariado é o medo, muito medo.

Mitigar essa defasagem exigiria ganhos de produtividade extremamente significativos, o que não está na pauta.

O Insead divulgou, há dias, pesquisa internacional sobre inovação e ambiente de negócios que realizou em conjunto com a Organização Internacional de Propriedade Intelectual.
O Brasil foi classificado em 58.º lugar, atrás de países como Jordânia, Croácia e Omã. No quesito "ambiente de negócios" ficamos em 127.º lugar, atrás do Burundi.

As frenéticas medidas pontuais que o governo vem tomando não resolverão nossos problemas estruturais. Reformas amplas, por outro lado, estão além do raio de manobra política da atual gestão, que se equilibra sobre uma coalizão bizarra e fica, assim, premida por interesses difusos e contraditórios.

Resta torcer para que a Europa não se desintegre, que a China passe muito bem e que o tempo se encarregue de preparar um novo ciclo de consumo baseado no crédito.

Sem mudanças estruturais, porém, mais uma vez parte expressiva desta demanda vazará para o exterior na forma de aumento das importações, o que poderá tornar o crescimento cronicamente mirrado.

Galinhas não voam. Galinhas ciscam para trás.


Luis Eduardo Assis O Estado de S. Paulo
23 de julho de 2012

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