"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 24 de julho de 2012

A ESPANHA GEME

Não dá para tirar de foco a crise do euro. Se, por alguns dias, ela se esconde por trás de uma nova emergência, logo em seguida acaba por reaparecer.

Ontem foi desses dias em que as turbulências voltaram. Agora, com o agravamento das condições da Espanha. Sexta-feira, Valência, uma de suas 17 comunidades autônomas, avisou que pediria socorro para enfrentar suas despesas. E ao menos outras cinco comunidades enfrentam graves dificuldades para se manter em suas pernas.

A dívida pública da Espanha é grande, mas bem mais baixa do que a de outros países do euro. O que a fez quase insustentável foi seu perfil, concentrado no curto prazo.

O problema original não é sequer fiscal (excesso de despesas). É o enorme endividamento que, a rigor, é privado. A circulação do euro, em 2002, criou uma pechincha em créditos baratos. Baixou juros a níveis próximos aos da Alemanha. E bancos se puseram a financiar negócios imobiliários com recursos de bancos maiores, sobretudo os alemães.

O boom imobiliário criou empregos da noite para o dia, como cogumelos. Salários saltaram e a indústria perdeu competitividade. Quando a bolha imobiliária estourou, em 2008, os espanhóis estavam superendividados e desempregados (quase 25% da população ativa sem trabalho). Os preços dos imóveis desabaram, as hipotecas perderam qualidade e os bancos sofreram enorme erosão patrimonial.

O Estado quebrou porque teve de socorrer bancos e pagar seguro-desemprego para um quarto da população ativa numa paisagem desolada, de recessão e de forte quebra de arrecadação.
Ontem, os títulos de 10 anos da Espanha só encontraram interessados se pagassem rendimento (yield) de 7,5% ao ano (veja o gráfico). A esse nível, uma dívida aumenta 100% em pouco mais de 9 anos, mesmo sem aumento do rombo orçamentário, somente com a incorporação dos juros ao principal.

A administração do chefe de governo, Mariano Rajoy, bem que tenta derrubar despesas públicas, para dar sustentabilidade à dívida. Hoje, no entanto, toda a economia enfrenta problema ainda mais urgente: a deterioração das finanças dos bancos. Até muito recentemente, os títulos de dívida de países soberanos eram considerados 100% seguros. Mas a quebra da Grécia mostrou que, mesmo na área civilizada do euro, dívidas soberanas estão sujeitas a calote. Isso passou a exigir mais capital para o tamanho dos ativos carregados pelos bancos.

Na sexta-feira, autoridades do euro aprovaram empréstimo de 100 bilhões de euros, em condições especiais, para reforçar o patrimônio dos bancos espanhóis. Mas o novo socorro não chegou a tranquilizar os mercados porque, mesmo em condições melhores, a dívida da Espanha aumentou nesse tanto. E agora se vê que as comunidades autônomas (Estados) não conseguem juntar recursos para enfrentar as despesas. Se o governo central providenciar o socorro solicitado, terá de elevar ainda mais a dívida.

Enfim, fibra por fibra, a corda vai rebentando. A Espanha está longe de mostrar como equacionará suas finanças. O problema é que a Espanha não é ave isolada. É Espanha, é Grécia, é Portugal, é Irlanda... e é também Itália.

24 de julho de 2012
Celso Ming - O Estado de S.Paulo

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