"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 27 de janeiro de 2013

O RISCO DO DESALENTO

 
O que há de desanimador no noticiário político dos últimos dias é ver o vigor do arcaico. É difícil encontrar algo mais antigo na República do que o truque de os políticos explorarem o drama das secas do Nordeste. E é tudo tão parecido: famílias que dominam a política de estados pobres e que encontram uma forma de ganhar nos contratos das obras contra as secas.

O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) apresentou emendas que beneficiaram a empresa de Aluízio de Almeida, seu assessor, com recursos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, cujo titular o deputado indicou.

Ele se defendeu dizendo que nada sabia da empresa; já o funcionário se demitiu depois de 14 anos de bons serviços.

Isso não sana as dúvidas em relação ao fato de uma empresa de fachada ter contratos milionários e um bode tomando conta da sede. O pobre do animal foi desalojado depois de fotografado na sede vazia da empresa.

O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas foi criado em 1909. Tem, portanto, mais de um século. Nesse período, enriqueceu muitas famílias da oligarquia nordestina. O órgão foi criado para aumentar a liquidez dos ricos e não para eliminar a aridez da vida dos pobres.

Uma vasta seca voltou a machucar áreas do Nordeste, provando que um século não é o bastante.

O deputado faz sua campanha a bordo do avião do amigo e parceiro Newton Cardoso (PMDB-MG). Foi a várias capitais do país reunindo-se com os governadores e bancadas, num circuito cujo verdadeiro custo jamais se saberá.

O Senado será presidido novamente pelo conhecidíssimo Renan Calheiros (PMDB-AL), aquele que saiu do cargo em 2007 no meio do escândalo de um caso de promiscuidade explícita com empreiteira que pagava suas contas íntimas.

Para se defender, ele apresentou notas frias de venda de gado. A liderança do PMDB, partido do vice-presidente, será do notório Eduardo Cunha (RJ), com tantos e tão controversos casos em sua ficha.

O Congresso se divorcia cada vez mais do sentimento do país. O futuro presidente da Câmara usa como argumento de defesa os seus 11 mandatos. Foi modesto. Deveria fazer até uma conta maior: com quantos mandatos de Alves se fez a política do seu estado nas últimas décadas.


Mais do que o Congresso, a política vai se distanciando dos cidadãos. Quadros que poderiam representar uma novidade repetem os velhos erros de relativizar valores.

São Paulo vive uma situação surrealista pela união entre o prefeito Fernando Haddad e Paulo Maluf. O velho e conhecido político é influente na prefeitura a ponto de indicar secretários, mas ao mesmo tempo foi condenado pela Corte de Jersey a devolver R$ 58 milhões à prefeitura.

Uma dualidade dessas, de fazer parte do consórcio do poder numa prefeitura à qual terá que indenizar por desvios é surrealista. Até quando o prefeito Fernando Haddad vai fingir que não vê essa fratura exposta?

Novos casos de Renan Calheiros voltam a aparecer no noticiário. A empreiteira Uchôa, de um empresário cujo irmão é sócio do filho de Renan, tem contratos milionários com a Caixa, no programa Minha Casa, Minha Vida. Não entrega as casas, mas a vida de todo o grupo Uchôa-Calheiros fica bem melhor.

A escolha de tais políticos para o comando do Senado, Câmara e liderança de um dos grandes partidos da coligação governista produz desalento. A indignação e revolta são sentimentos fortes, que mostram disposição de luta. O desalento é a véspera da desistência. É mais perigoso.

Quando o eleitor vai sendo dominado por esse sentimento há o risco de que ele considere que nada disso vale o preço que custa aos cofres públicos. Esse é o maior dos prejuízos.

27 de janeiro de 2013
Miriam Leitão- O Globo

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