"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 17 de fevereiro de 2013

RENAN, BATIZEI O MOUSE DO COMPUTADOR COM O SEU NOME!

 



O direito constitucional da livre manifestação do pensamento no Brasil só vale se o alvo do pensar não for alguém com poder.

Do contrário, o pensador está lascado. Terá de deixar de pensar ou, então, pensar em outras freguesias. Dizer a verdade em um país tomado pela mais lesiva de todas as ditaduras, a da corrupção, é esgueirar-se sobre a própria sentença de morte.

Diante do cenário que se rascunha nas plagas brasileiras, resistir ao desmando das autoridades é opção multiplamente única. Não há como se curvar aos gatunos que se escondem atrás de um mandato. Disse o saudoso e sábio Darcy Ribeiro: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

Apesar da admiração e respeito que dedico a Darcy, mesmo que agora post mortem, sou obrigado a discordar do antropólogo que certamente mudaria de ideia se vivo ainda estivesse e convivesse com a realidade com que convivemos.

Há uma contínua e perigosa degradação do Estado por parte de políticos que fazem da corrupção a cartilha de todos os dias. E danado está aquele que ousar contestar o corrupto que concentra poder em suas mãos.
Nos dias de hoje, Darcy Ribeiro diria o seguinte: “Só há duas opções nesta vida: se indignar ou se indignar. E eu vou me indignar sempre”.
É isso que faço todos os dias e torço para que Darcy, onde quer que esteja, endosse o meu gesto.

Havia decidido não escrever sobre o assunto porque seria o mesmo que chover em chão molhado, dar bóia de pedra a um náufrago em águas traiçoeiras. Mudei de ideia por vários motivos. Lembrei-me de Darcy Ribeiro, cujo pensamento não pode ser traído.
Lembrei-me de um desenho animado genial, “Ratatouille”, que de tão bom assisti várias vezes. Precisava sair em defesa de Ariadina Barbosa Gomes Oliveira, sobrinha do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal. Fazia-se necessário exorcizar o mouse do computador, pois do contrário não conseguiria mais escrever.

Ariadina Barbosa foi demitida do Senado Federal, junto com uma parceira de trabalho, porque postou na rede mundial de computadores a foto de um pequeno e indefeso rato que foi encontrado morto nas dependências da gráfica da Casa legislativa, com legenda, no meu entender, elogiosa: “E a gente achou q o único problema aqui fosse o Renan Calheiros”.

A trajetória e o currículo de Renan falam por si só, são uma ode ao explícito, uma reverência ao indubitável. Ao contrário do que decidiu o Senado, a mando do seu presidente, Ariadina deveria ser promovida, não demitida porque seu gesto foi considerado um ato de indisciplina. Aliás, a estagiária fez uma homenagem a Renan Calheiros quando comparou-o ao rato. Se assistir a “Ratatouille”, o alagoano certamente reverá sua decisão.

O Brasil vive sob escandalosa inversão de valores, pois dizer a verdade é ato de indisciplina, bandidos são deuses, retidão política confunde-se com idiotia existencial. Se a regra é essa no Senado, mais da metade dos servidores da Casa precisa ser demitida, pois Renan Calheiros não é visto por seus comandados como um querubim barroco. Penso que, na busca obsessiva pelo poder, Renan poderia substituir o alemão Joseph Ratzinger no Vaticano, pois experiência não lhe falta para ser um santo do pau oco, algo que abunda nos escaninhos da Santa Sé.

A petição eletrônica que circula na internet para que o alagoano seja ejetado da presidência do Senado já tem mais de 1,2 milhão de assinaturas. Há dias, Renan classificou como saudável o movimento que cresce no mundo cibernético e pede seu impeachment. Será que Renan pensa que o Brasil o venera? Estaria o cargo impedindo Renan de enxergar o óbvio? Alguém já balbuciou ao senhor das vacas sagradas o conteúdo do documento? Certamente não!

Contudo, em pelo menos um quesito Renan Calheiros tem razão: o movimento na internet contra ele é absolutamente saudável. Até porque, não é possível que ratos indefesos morram no Senado por causa da peçonha dos parlamentares. Isso é crime contra a fauna. E se isso vem acontecendo, é porque lá, no mosteiro planaltino dos impolutos, há algo muito mais perigoso e podre que os ratos desconhecem. Por isso cá estou a defender os ratos.

Que o Brasil está a anos-luz de ser um país minimamente sério todos sabem, mas há determinados fatos que, como verdadeiros tapas na cara da sociedade, são inadmissíveis. Como pode-se pensar em mudar o País se o péssimo exemplo vem de cima? Não há como promover esse câmbio de realidade de baixo para cima. A mudança precisa ser descendente, pois do contrário a sociedade não poderá condenar o batedor de carteira, o assaltante que faz arrastões.

Não é preciso nenhum esforço do raciocínio para constatar a realidade brasileira. Em qualquer esquina do País a palavra político tem ladrão como sinônimo. Esse é o pensamento de dez em cada dez brasileiros. Por isso Renan não deveria ter se incomodado com o chiste que acabou denegrindo a moral do rato.

Renan, dispenso a formalidade do “Vossa Excelência” para não ser obrigado a chamar o rato de rei. Coloque a mão consciência e reflita por alguns segundos. Por qual motivo os hóspedes do SPA gaúcho, no qual você desfrutou o ócio carnavalesco, se recusaram a participar das atividades com a sua presença? Esteja certo, Renan, que não foi discriminação, mas a materialização do que pensa a sociedade como um todo. A sua história lhe transformou em persona non grata do Oiapoque ao Chuí, para ser diplomático e minimalista.

Para que você não me acuse de intransigente, faço-lhe uma proposta. E prometo que não agirei como os hóspedes do SPA gaúcho, que agiram de forma discriminatória (sic). Estarei ao seu lado se você aceitar percorrer o País sem a blindagem que o cargo proporciona.

Cortaremos os céus desse nosso Brasil varonil em aviões de carreira, enfrentaremos as filas de “check in” nos aeroportos verde-louros. Ouviremos o que o povo tem a dizer. E garanto a você que não será necessário fazer qualquer pergunta. Nas capitais, apenas nas capitais, andaremos em meio ao povo e gravaremos o manifestar das ruas.
Se do que ouvirmos e gravarmos três quintos (não os do inferno) forem favoráveis a você, rendo-me à realidade, reconheço o meu equívoco, faço o necessário mea culpa e escrevo artigo elogioso.

Renan, procure enxergar as coisas por múltiplos prismas. A vida é bela e existe fora do submundo da política. Sei que o cargo de presidente do Senado exige muito e tempo lhe falta até para pensar. Sendo assim, fiz o que não sei deixar de fazer por um só instante: pensar. Se no desenho animado “Ratatouille” há um sem fim de ratinhos geniais e simpáticos – um deles cozinha maravilhosamente bem –, por que não considerar a brincadeira séria da estagiária como uma homenagem?

Pensando cá com os meus botões, imaginei que você achou a homenagem muito chinfrim. Ser comparado a um rato é pouca condecoração. Pois bem, decidi batizar o mouse do computador com o seu nome.
Ora, se até o Mickey é Mouse, porque o mouse não pode ser Renan. Pronto, eis que temos um personagem genuinamente nacional para desbancar o mais famoso rato do planeta. Respeitável público, tenho a honra de apresentar Renan Mouse!

Foi uma cerimônia simples, Renan, sem água luciferiana na pia do exorcismo, mas no momento mais importante declamei um trecho de “Auto da Barca do Inferno”, do poeta português Gil Vicente, em que o Fidalgo interage com o Diabo:

“Ao Inferno, todavia!
Inferno há i pera mi?
Oh triste! Enquanto vivi
não cuidei que o i havia:
Tive que era fantesia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.”


Lindo, não é mesmo Renan?

Imagine se todos os brasileiros que têm computadores em casa resolverem fazer o mesmo, batizar o mouse com o seu nome.
Você ficará para sempre nas mãos do Brasil. E essas mãos, Renan, agora a se esfregar umas nas outras, torcem para que você tenha o mesmo fim do mouse da gráfica do Senado. Que saia de cena!

17 de fevereiro de 2013
ucho haddad

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