"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 5 de abril de 2013

GOLBERY, O PT E UMA RESPOSTA A UM LEITOR

    
          Artigos - Governo do PT 
Meu leitor resumiu, em poucas linhas, toda a sorte de mistificações que há tempos sou confrontado, dando-me uma oportunidade única de respondê-los sinteticamente. Tais mistificações são relacionadas não só ao PT, mas também aquelas sobre o movimento revolucionário e comunista espalhadas após a dissolução da URSS.

Toda a vez que escrevo ou comento algo sobre o caráter revolucionário do PT, enfrento o mesmo problema: as pessoas ficam incrédulas.

Argumentam que o PT “já se vendeu ao capitalismo”, “não é mais revolucionário” e “traiu os belos ideais” da esquerda.

E isso, ocorre corriqueiramente na grande mídia, aumentando o alcance deste senso comum errôneo. Um exemplo, entre muitos que poderia dar, é o texto “E o general Golbery, afinal, não se enganou” de José de Souza Martins, publicado no Estadão (aqui: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,e-o-general-golbery-afinal-nao-se-enganou,405472,0.htm).
 
Escolhi esse artigo pela ligação direta com um artigo que publiquei recentemente “Golbery e o PT” (também aqui:http://brasileconomico.ig.com.br/noticias/o-exministro-golbery-e-o-pt_127258.html). Sobre este meu artigo, recebi uma série de questionamentos bastante interessantes de um leitor.

Reproduzo esses questionamentos aqui por um simples motivo: de forma involuntária, o meu leitor resumiu, em poucas linhas, toda a sorte de mistificações que há tempos sou confrontado, dando-me uma oportunidade única de respondê-los sinteticamente. Tais mistificações são relacionadas não só ao PT, mas também aquelas sobre o movimento revolucionário e comunista espalhadas após a dissolução da URSS.

Abaixo, seguem os questionamentos do leitor em itálico e divididos em 8 partes, as quais rebato uma a uma.

Ponto 1: Tem um professor da UFRJ que já havia feito uma explanação parecida com a sua sobre o plano do Golbery de criar uma esquerda "administrável". Acho que o Golbery foi muito bem sucedido, pois de revolucionário o PT não tem mais nada há muito tempo, se é que um dia já teve!

O PT não é revolucionário no sentido leigo - ou seja, que entende “revolução” como a implementação da desapropriação de propriedades privadas, golpes de Estado violentos para a tomada de poder, estatização forçada dos meios de produção, etc - mas sim, no sentido gramsciano do termo.

O professor citado, muito provavelmente, deve ser Carlos Nelson Coutinho, um dos principais estudiosos esquerdistas de Antonio Gramsci no Brasil. A linha mestra de fundação e atuação do PT foi baseada, inclusive, em um texto de sua autoria chamado “Democracia como valor universal”.

Por outro lado, a mentalidade dos petistas, em geral, reúne as seis características da mentalidade revolucionária típica, elencadas por Olavo de Carvalho[1].

Basicamente, os petistas consideram-se um grupo constituído com a missão de remodelar a sociedade brasileira por meio da ação política. Acreditam que são os verdadeiros portadores do futuro melhor que eles mesmos não sabem definir e consideram que, por pior que sejam seus atos, estes não podem ser julgados pela sociedade.
E, por fim, acham que a história do país começou em 2003 com sua ascensão ao poder, atacando todo o sistema de leis e valores brasileiros, como se somente eles representassem o que é bom.

O plano de Golbery foi bastante difundido e, o próprio general, aparentemente, percebeu seu engano em relação ao PT no final da vida. Com 12 anos já garantidos no poder e com probabilidade alta de alcançar 16 anos, é difícil atestar que o plano foi bem-sucedido.

Ponto 2: Pelo contrário, ele tem servido perfeitamente ao status quo do capitalismo, não é a toa que é largamente apoiado por figuras venais como, por exemplo, Eike Batista. Acho que ele já poderia até ser chamado pelo apelido de Eike Petista, tamanho o seu entrelaçamento com Dirceu, Dilma e os demais componentes da galera do Lula.

O sentido gramsciano do qual falei no ponto 1 é a característica sistêmica de atuação do PT, com seu enfoque na guerra cultural, relegando a “tomada dos meios de produção” para um distante segundo plano.
É preciso perceber que a doutrina de Gramsci inverte a análise marxista clássica de caracterização do capitalismo. Para Gramsci, é a superestrutura que determina a estrutura e não o contrário. Por isso, sua ênfase em contaminar e destruir os valores do capitalismo, entre eles, a ética cristã, para afetar, por fim, o sistema econômico capitalista.
 
Por isso, o cenário descrito de “petistas revolucionários ajudando capitalistas” é não só factível, como também conseqüência lógica da estratégia.
 
Por outro lado, embora o apelido dado ao empresário seja preciso, é preciso bastante ignorância histórica para achar que os interesses de grandes capitalistas são sempre opostos aos interesses socialistas.
Desde o advento da Rússia comunista, o que mais ocorreu na história foi a ajuda capitalista a países comunistas. Esse panorama é descrito de forma brilhante no livro “The best enemy money can buy” [2] de Antony C. Sutton[3
 
Por outro lado, os dirigentes comunistas seguem a máxima de Lênin: “os capitalistas nos venderão a corda que os enforcaremos”.
 
Tal estratégia foi utilizada ainda durante o governo de Lênin e de sua Nova Política Econômica (NEP). Na concepção do meu leitor, porém, nem mesmo Lênin poderia ser considerado um revolucionário, já que incentivou a economia de mercado na Rússia pós-revolução de outubro.
 
Cabe registrar que a estratégia leninista foi posta em prática diversas vezes pela URSS durante os períodos da Guerra Fria conhecidos como “detente”. Na coleção de engodos, encontra-se a política de Nikita Khrushchov de “destalinização” e a Perestroika de Mikhail Gorbachev.

Os livros “New Lies for old”[4] e “Perestroika deception”, do desertor soviético Anatoliy Golitsyn, mostram com detalhes a estratégia para ludibriar o ocidente.

Atualmente, a China mantém um sistema político fechado baseado no Partido único comunista e uma “economia socialista de mercado”. A transição para esse tipo de arranjo iniciou-se com Mao Tse Tung e foi acelerado com Deng Xiaoping. Será que Mao também não era um revolucionário?
 
Ponto 3: O mercado financeiro, por sua vez, só começou a chiar mais pesado nos anos mais recentes por causa da acentuação da trajetória de queda da Selic e dos desenvolvimentos pós-Palocci, que era o cão de guarda dos interesses deles. Mas os banqueiros são muito afoitos, pois, na verdade, eles nem precisam ficar preocupados: a taxa de juros real do Brasil ainda é uma das mais altas do mundo, o BACEN já interrompeu a queda e não me espantaria nada se, daqui a pouco, iniciasse a trajetória de alta novamente, garantindo a continuidade da colossal transferência de renda da sociedade para o bolso dessas aves de rapina.
 
Embora haja um oligopólio bancário organizado que pressiona o banco central brasileiro, acreditar que os juros no Brasil são elevados apenas por conta do lobby financeiro é puro besteirol. No mais, as tais “aves de rapina” são todos aqueles cidadãos que mantém aplicações financeiras em fundos DI, os assistidos dos fundos de pensão estatais e planos de previdência privada, etc. Difícil acreditar nessa macroeconomia de luta de classes.
 
Ponto 4: E se você acha que toda essa trajetória apresentada pelo PT é só uma estratégia gramsciana de dominar o sistema para depois revolucioná-lo, você acredita mais no PT do que a própria militância do partido.
 
Aqui talvez o leitor tenha razão. De fato, parte da militância, fora dos círculos intelectuais e das altas esferas decisórias, desconhece por completo a essência do partido e julgue as ações do mesmo com base em estereótipos consagrados.
 
Não à toa, algumas figuras mais radicais (ou mais apegadas ao purismo marxista clássico) tenham criado seus próprios partidos como o PSOL e o PSTU. Se bem que algumas delas apenas fazem o tradicional papel de “limpar a esquerda” na própria sujeira.
 
Ponto 5: O PT hoje em dia faz políticas perfeitas para a continuidade do status quo, não é a toa que tem foco nas políticas de transferência de renda, que já foram largamente defendidas por ícones do liberalismo extremo como Friedman e Hayek, segundo os quais tais políticas devem ter o objetivo de apenas evitar situações de extrema pobreza, o que garante perfeitamente a continuidade da exploração capitalista. Caso "apareçam" mais pobres por conseqüência do sistema, é só incluí-los nos programas que "previnem" a extrema pobreza que está tudo certo!
 
De fato, programas de transferência de renda focalizados nos mais pobres foram defendidos por ícones do liberalismo. No entanto, nada mais comum à estratégia gramsciana do que usurpar idéias alheias e incorporá-las ao partido para sua manutenção no poder. Não se pode esquecer que Gramsci era leitor assíduo e admirador de Nicolau Maquiavel e aplica a idéia do “Príncipe” ao Partido Comunista. Portanto, nada mais natural que absorver as idéias de outrem.
 
Por outro lado, o uso dos programas de transferência de renda a lá Bolsa Família transformou-se hoje na maior máquina de votos no PT.
 
Se antes o PT era um partido de intelectuais e da classe média, cuja força eleitoral provinha desses setores[5], hoje, o partido consegue maior votação justamente nas zonas onde se encontram os maiores contingentes de assistidos pelo programa federal. O PT, uma vez no governo, criou sua classe de miseráveis que vai agora sustentá-lo para sempre nos embates eleitorais, passando a acusar os outros partidos de elitistas e conservadores.
 
Por outro lado, fica implícita a percepção do meu leitor de que o tal “liberalismo extremo” leve ao aumento do contingente de pobres. Na realidade, os países mais liberais são justamente aqueles onde há menos pobres e, os países mais estatizantes, são justamente aqueles onde há maior pobreza.
 
Ponto 6: Já o apoio que o PT dá a governos como o de Cuba e Chávez: não se iluda, isso é só pra inglês ver. É uma simples manutenção de uma aliança histórica com Fidel na tentativa de fingir coerência com "compromissos históricos do partido". Com isso, o PT só quer tentar mostrar "independência" em relação às posições de Washington, "soberania na política externa", e essas baboseiras que de nada significam se você não tem políticas internas que levem a uma verdadeira mudança estrutural da economia nacional.
 
Aqui talvez esteja uma das mais graves percepções da realidade.
O leitor ignora totalmente a ação do Foro de São Paulo, órgão articulador das esquerdas em âmbito continental.
Por outro lado, ignora também como o apoio aos governos esquerdistas se dá de forma material e não retórica.

Cuba tem acesso a linhas de crédito para importar serviços e bens brasileiros. Reportagem recente do jornal Valor Econômico (“Os Castro buscam sócios brasileiros”) mostra a radiografia do comércio bilateral, que aumentou 10 vezes desde que o PT chegou ao poder [6].

Evo Morales foi “agraciado” com as instalações da Petrobras, fundamental para que ganhasse legitimidade interna. Durante a greve de nove semanas da PDVSA, Chávez foi apoiado por Lula com embarques de produtos brasileiros
 
Através de manobra diplomática, a Venezuela passou a fazer parte do Mercosul e ajudou a isolar o Paraguai assim que Lugo, amigo do Foro, foi destituído.
 
Ainda em se tratando de Venezuela, o governo brasileiro não tem medido esforços para apoiar Maduro, o ungido de Chávez[7]
 
O relacionamento entre petistas e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Farc (aliás, prefiro o acrônimo FART, cunhado por Graça Salgueiro, no qual se tira o “C” de Colômbia e coloca-se o “T” de terroristas,) é público e notório.
 
E a diplomacia brasileira, através de Marco Aurélio Garcia, constantemente apóia o grupo nas discussões com o governo da Colômbia. O Brasil jamais reconheceu as FART como força terrorista, mas a considera como “força beligerante” legitimando sua atuação[8].
 
Por outro lado, nesse ponto 6 há ainda, implicitamente, aquela imaginação deturpada sobre o poder americano na América Latina. Provavelmente, o meu leitor deve estar até hoje convicto que o Movimento de 1964 foi organizado e financiado pela CIA!
 
Por fim, as tais mudanças estruturais na economia nacional já estão em curso, com a maciça intervenção estatal que está sendo promovida com a desculpa de combater a crise econômica.
 
Ponto 7: E cara, pelo amor de Deus...esquece os comunistas!! Isso acabou, já era, non ecziste, morreu, entendeu?! Não existe mais nenhum risco de surgimento de governos comunistas com relevância para a política internacional.
 
O comunismo acabou? E quanto aos 5 países formalmente comunistas no mundo? São eles: China, Coréia do Norte, Vietnã, Laos e Cuba. E esse número pode subir, dependendo do critério utilizado[9].
 
Só a China, concentra quase 20% da população do planeta sob regime comunista e sua economia tornou-se a 2º maior do mundo, responsável pelo grande dinamismo da economia global. Será que a China não possui nenhuma relevância?
 
Aliás, se o comunismo acabou, por que ainda existem tantos partidos comunistas no mundo? O pessoal desses partidos não foi avisado?
 
Só no Brasil, há dois partidos comunistas formalmente, que inclusive, fazem parte da coalizão governante e do Foro de São Paulo: PC do B e PCB. Seus sites estão aqui: http://www.pcdob.org.br/ e aqui: http://pcb.org.br/portal/, além do site “Vermelho” http://www.vermelho.org.br/.
 
Ponto 8: Muito pelo contrário, o risco agora é de surgimento da ditadura capitalista, como se aventou na crise a criação de um banco central mundial o que tiraria a possibilidade de políticas econômicas soberanas por parte dos países. A Europa, por exemplo, já tem seu Banco Central universal...
Aqui há uma dupla confusão. Em primeiro lugar, o capitalismo não é um sistema político. É um sistema econômico.
 
Por isso, é possível juntar um regime autoritário (e mesmo totalitário e comunista) com o funcionamento da economia capitalista.
 
Já o comunismo é um sistema fundamentalmente político, mas que abrange economia, sociedade, cultura, religião etc.
 
Em segundo lugar, a criação do tal “banco central mundial” ou a existência do banco central europeu pouco tem a ver com o capitalismo em si, mas sim, está ligado a um projeto de centralização de poder, bem ao gosto dos metacapitalistas[10].
 
Neste ponto há uma clara convergência entre os grupos globalistas e comunistas. Ambos buscam um capitalismo altamente regulado (do tipo fascista ou fabiano) e controlado por uma burocracia socializante.
Por outro lado, não há como negar que os dois grupos – globalistas e comunistas – são a essência mesmo da mentalidade revolucionária, que não tem outro objetivo, senão aquele da remodelagem e transformação da sociedade (com a destruição do cristianismo e dos valores ocidentais) mediante a uma estúpida concentração de poder político e econômico.
 
Por fim, minha conclusão, sintetizada em uma frase, seria a seguinte: Golbery errou e o movimento revolucionário está cada vez mais poderoso... Mas poucos perceberam.

Notas:

[1] Um resumo, aqui: http://www.olavodecarvalho.org/semana/070813dc.html

[2]
Aqui, a versão do livro em pdf: http://www.vho.org/aaargh/fran/livres10/SUTTONbest.pdf

[3]
Aqui, uma entrevista com o profesor Sutton: http://www.youtube.com/watch?v=XYLAFOvt32o

[4]
Aqui a versão em pdf do livro “New Lies for old”: http://www.spiritoftruth.org/newlies4old.pdf

[5]
Basta ver a votação do PT nas eleições majoritárias de 1989, 1994, 1998, quando utilizava um discurso radical e ainda não tinha aderido ao “lulismo paz e amor”.

[10]
A definição de “metacapitalista” está aqui: http://www.olavodecarvalho.org/semana/040617jt.htm.

05 de abril de 2013
Rodrigo Sias é economista.

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