"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de outubro de 2011

AMARGAS REFLEXÕES

Reflexões sobre a fase desmoralizante que vive hoje a política brasileira. Em outro país, o governo já teria sido derrubado.

A novela da fritura do ministro do Esporte, Orlando Silva, entra em seus capítulos finais. Na África, a cozinheira-mor Dilma Rousseff, atenta à temperatura do fogão, avalia que o depoimento de Orlando Silva no Senado não foi suficiente para afastar a pressão política pela demissao dele. Traduzindo: o ministro já pode ir esvaziando as gavetas.

A situação é paradoxal e muito reveladora. Em qualquer país que cultive práticas democráticas, se ocorressem tantos escândalos de corrupção em sequência, o governo estaria balançando, prestes a sofrer impeachment. Mas no Brasil é diferente. Não existe nenhuma pressão sobre a presidente Dilma Rousseff. Pelo contrário, seu prestígio é intocável. A pressão é exercida apenas contra o ministro corrupto, ou melhor, contra o quarto dessa série, que parece interminável.

Portanto, em meio a mais essa fritura, os chamados “cientistas políticos” (seja lá o que isso signifique), têm um belo prato pela frente, para suas análises culinárias. Que país é esse? – poderíamos indagar a eles, imitando Francelino Pereira e Renato Russo. E o que esses cientistas nos diriam? Ora, só podem dizer o óbvio. A opinião pública brasileira já se acostumou a tal ponto com a corrupção que nem liga mais.

Realmente, todos sabem que essas fraudes e irregularidades fazem parte de nossa prática política contemporânea. Os homens de bem (como já dizia Ruy Barbosa, quase 100 anos atrás, quando o grande brasileiro se estarrecia ao ver triunfarem as nulidades) já nem se envergonham mais, não demonstram indignação, estão abúlicos e desalentados.

É uma triste constatação, quando nos vemos diante do nada. A geração que se revoltou contra a ditadura de 1964 e que naquela época demonstrava tanto idealismo, não há dúvida, decididamente fracassou. O PT, que nasceu e frutificou no embalo dessa indignação cívica, também fracassou. A prática que demonstra no poder desmente toda a sua antiga teoria. O PCdoB, último remanescente do comunismo no Brasil, já que o velho Partidão (PCB) não consegue eleger ninguém, também fracassou.

O próprio cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, o mais surpreendente e extraordinário político popular de toda a História brasileira, também fracassou. Hoje é apenas um pastiche daquele líder sindicalista em que as pessoas confiavam.

Lula tornou-se um político como outro qualquer, um carreirista, um novo rico que sai pelo mundo, patrocinado por grandes empresários nacionais e estrangeiros, cobrando US$ 300 mil para fazer palestras escritas por seu eterno assessor Luiz Dulci, sem notar que seu prestígio está sendo usado para fins meramente comerciais.

Infelizmente, virou uma figura grotesca e caricata, cheio de si, que nem se dá à honradez de devolver ou rejeitar o salário mensal de R$ 13 mil que recebe do PT, com carteira assinada, férias, décimo terceiro salário e tudo o mais, por conta de uma suposta assessoria que deveria prestar ao partido, vejam a que ponto ele chegou, decididamente não é e nunca mais será aquele Lula, embora o povo continue a amá-lo.

É muito triste constatar que a política brasileira tenha se reduzido a isso, que situação e oposição se equivalham em nível tão baixo, que não tenhamos um líder em quem confiar, que estejamos vivendo no estilo da teoria francesa do “laisser-faire” (poderíamos traduzir livremente como deixa estar para ver como é que fica), que se tornou a expressão-símbolo desse neoliberalismo suicida e insensível.

Mas esta, desgraçadamente, é a nossa realidade hoje, enquanto os chamados “cientistas políticos” se calam, fingindo que não está acontecendo nada. O pior é que as manifestações que vêm sendo realizadas em algumas cidades, para que a sociedade supostamente organizada proteste contra a corrupção, na verdade pouco significam e não terão qualquer consequência.

A síntese de tudo isso é a seguinte: fracassamos, todos nós. Desgraçadamente.

Carlos Newton

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