"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O PROBLEMA ESTÁ NO RUÍDO

O filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) resume bem o que vem a ser credibilidade na boa teoria macroeconômica. Para ele, se você quer ter credibilidade deve necessariamente cumprir com suas promessas. Todo o regime de metas de inflação, diga-se, está fundado nesse pequeno grande conceito.

É de se perguntar justamente porque os bancos centrais devem perseguir uma meta de inflação. Por que não uma meta de crescimento ou mesmo uma de câmbio? Melhor ainda: por que não as três? Tais questionamentos estão todos os dias nos jornais, envolvendo economistas das mais diferentes escolas de pensamento. Aqui exponho alguns argumentos a favor do regime de metas de inflação, implantado “meio que por acaso” no Brasil, em 1999.

O debate sobre se um banco central deve ou não seguir uma meta tem seu ponto alto no modelo Barro-Gordon, de 19831. Neste, os bancos centrais discricionários estão sujeitos ao que ficou conhecido como viés inflacionário. Em outros termos, dão preferência a um pouco mais de inflação por um pouco mais de crescimento.

O diabo, leitor, é que aquela correção positiva entre crescimento e inflação ganhou nova roupagem na década de 70. Dadas as mudanças na economia mundial (choque de commodities, principalmente petróleo), a troca entre um e outro deixou de ser estável – se é que algum dia o foi. Em outras palavras, mais crescimento implica em uma inflação em contínuo aumento. Daí que para evitar o viés inflacionário e ciclos políticos (alternância entre governos “gastadores” e governos “conservadores” em termos de política econômica), viu-se que metas factíveis seriam melhor para promoção do bem-estar.

Há, é claro, muitas outras questões teóricas envolvidas. O consenso que se formou a partir do debate sobre se um banco central deveria conduzir a política monetária via regras ou via discrição (ausência de regras) tem outras suposições. As duas mais importantes referem-se ao que vem a causar o crescimento econômico. No curto prazo, um aumento de demanda (consumo das famílias, financiado via crédito bancário), pode gerar um aumento de produção. Entretanto, no médio e longo prazo, aumentos na produção de bens e serviços estão condicionados à disponibilidade de tecnologia, capital e mão de obra qualificada. E sobre isso, poucos economistas discordam.

A discordância está basicamente em um outro aspecto do regime de metas de inflação. Para muitos críticos, a suposição implícita do modelo é que a política monetária é neutra em relação a variáveis reais, i.e., uma elevação na oferta de moeda só tem o poder de elevar preços e não causa, portanto, crescimento econômico. Essa suposição implicaria que a economia trabalha o tempo o todo naquilo que os economistas chamam de produto de equilíbrio ou pleno emprego de fatores. O que, sob o olhar dos dados, seria uma aberração. Daí que a busca da estabilidade de preços, como meta única, seria algo extremamente míope, frente a outras variáveis econômicas, como desemprego de mão de obra. A crítica, leitor, é correta?

Definitivamente, não. Em primeiro lugar, a operacionalidade do regime de metas não supõe que o produto trabalha o tempo todo em equilíbrio. Pode haver discrepâncias – às vezes grave – entre o que pode ser considerado o potencial de crescimento de uma economia e aquilo que de fato é observado. Isso pode ocorrer por diferentes razões, tais como deterioração de expectativas tanto de consumidores quanto de empresários sobre o cenário econômico. Uma medida usual para captar esse desvio entre o que podemos e que de fato crescemos chama-se hiato do produto, insistentemente monitorado pelos bancos centrais ao redor do mundo.

Em um cenário adverso, portanto, onde a economia cresce abaixo do potencial é recomendável – se for possível – que o Banco Central baixe a taxa básica de juros, a fim de induzir maior crescimento. Desse modo, podemos classificar que se o objetivo explícito da autoridade monetária é a estabilidade de preços, o objetivo implícito é manter a economia crescendo naquilo que é seu potencial. Em outros termos, o Banco Central procura minimizar a diferença entre o crescimento efetivo e o potencial, de modo a manter tanto a inflação controlada quanto a economia crescendo de acordo com a disponibilidade de fatores de produção.

É claro que isso não é uma tarefa simples. Saber, por exemplo, qual o potencial de crescimento da economia brasileira está baseado em estimações estatísticas. Sob diferentes abordagens, todos os parâmetros estimados estão sujeitos a certa dose de suposições, o que depende explicitamente da formação do economista envolvido. E é justamente nesse ponto onde convergem todas as críticas em relação à condução da política monetária nos últimos anos. Para estes, o Banco Central teria condenado a economia brasileira a crescer menos do que poderia, a título de uma pretensa estabilidade de preços. Seria isso verdade?

Novamente os dados discordam. Nos últimos onze anos de operacionalização do regime de metas, a economia cresceu a uma média de 3,4% a.a., e a inflação oficial – medida pelo IPCA – ficou em 6,79% no mesmo período. Em apenas três anos o centro da meta foi alcançado. Daí que, mesmo sob o olhar bruto da realidade, não se pode classificar o Banco Central como obcecado pelo controle de preços. Um olhar mais amplo sobre o período daria atenção aos choques pelos quais passou a economia brasileira. No período recente, os mais importantes foram os choques de commodities e o descompasso crescente entre oferta e demanda, principalmente dado o contínuo aumento dos gastos públicos e os gargalos da economia brasileira – que impedem um crescimento mais significativo da oferta doméstica.

Nesse contexto, o Banco Central tem feito um bom trabalho, dadas as dificuldades que a realidade lhe impõe. Mais do que isso: ele tem feito um trabalho dobrado, dada a rigidez da política fiscal e os problemas com a disponibilidade de fatores. Daí que o modelo de metas de inflação põe o dedo na ferida: crescimento econômico está muito além da política monetária. Ele depende de como a economia incorpora tecnologia, em como aumenta o estoque de capital e, mais do que nunca, em como qualifica sua mão de obra. Nada disso, leitor, está sob o controle da autoridade monetária.

Daí que sob a égide de uma estrutura produtiva, o Banco Central compromete-se em entregar um determinado nível geral de preços. Afinal, a sua causa última, a oferta de moeda, é a única variável sob a qual ele possui algum grau de controle. Mas não mais no sentido Friedman estrito, mas no que Svensson classificou como “modelo baseado em expectativas”. A autoridade monetária é, no fim das contas, um coordenador de expectativas. E para fazer seu trabalho bem feito é que ele precisa seguir o conselho de Kant: precisa cumprir suas promessas. Quando não cumpre, perde credibilidade, deixa de influenciar expectativas, deixa de exercer influência sobre o nível de preços.

Mas não é apenas isso e é ai que eu entro no título do artigo. Entre promessas e credibilidade há algo pouco compreendido por alguns economistas: comunicação. Se o regime é de metas de inflação, está explícito que a autoridade monetária deve perseguir um determinado nível de preços em um horizonte predeterminado de tempo. Daí que se ele alcança é porque possui credibilidade junto aos agentes econômicos. Se não obtém sucesso é porque não conseguiu se fazer entender. Em outras palavras, o Banco Central não possui controle sobre o objetivo (estabilidade de preços), mas apenas influência sobre os formadores de preços (consumidores e empresários). Se estes não entendem o cenário desenhado pela autoridade monetária ou ficam confusos com as declarações do seu controlador (o governo), tendem a se proteger de eventuais deteriorações de preços, via reajustes de salários e repasse para preços.

Entende-se assim que um Banco Central que não consegue convencer os agentes sobre seus planos não consegue portanto alcançar um determinado nível de preços. E é justamente isto, leitor, que está ocorrendo na conjuntura econômica atual: um problema de ruído. O Banco Central revela em seus cenários prospectivos que a convergência para a meta de 4,5% se dá no segundo trimestre de 2013, tendo como premissas uma taxa de juros de 12% a.a. e uma taxa de câmbio de 1,65 R$/US$. Mas coloca ruído na mensagem, quando não revela outras hipóteses consideradas em um cenário alternativo, que prevê basicamente uma deterioração no cenário externo. Aumenta-se o ruído quando há ingerência sobre as decisões do central banker, ou seja, quando o ministério da Fazenda e a presidente dizem em alto e bom som que perseguem juros reais em torno de 2% a.a.

É nesse aspecto, leitor, que uma melhora urgente na comunicação entre o governo e o mercado é onde está a chave para alcançar a meta de 4,5% e a menor perda possível de crescimento econômico. Não há ideologias aqui. Independente do que pensa o ministro da fazenda ou a presidente, é fato que não há coerência entre os discursos. A presidente quer defender a todo o custo um nível de crescimento, mas pouco se preocupa com a inflação. E isso acaba por confundir os agentes econômicos. O problema é, portanto, basicamente de ruído na comunicação.

20 de outubro de 2011
Vítor Wilher

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