"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

"AUTONOMIA" NÃO QUER DIZER SOBERANIA

Já disse aqui que gosto, com freqüência, dos votos do ministro Marco Aurélio de Mello. Mas sou assim, vocês sabem: quando gosto, aplaudo; quando não gosto, critico. O ministro concedeu uma liminar (ver post anterior) suspendendo o poder originário de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Na prática, enquanto valer a liminar — e caso seja esse o entendimento da maioria do tribunal quando o mérito for julgado pelo tribunal —, só chegarão ao Supremo os casos que tenham sido antes investigados pelas corregedorias locais.

É um grande retrocesso no processo de moralização do Poder Judiciário, que é, já escrevi aqui tantas vezes, o Poder dos Poderes. Todos nós sabemos que o Executivo e o Legislativo estão muito mais sujeitos a mecanismos de controle da opinião pública do que a Justiça.

A decisão de Marco Aurélio me parece ruim no conteúdo e na forma. O assunto ficou se arrastando tempo demais no Supremo para ter agora, como desfecho, ainda que temporário, uma liminar. Levanta-se a suspeita — certamente não se trata disso porque Marco Aurélio é um ministro corajoso — de que o momento para decidir não é bom porque a opinião pública está de olho, e melhor seria esperar a coisa esfriar.

Qual é a tese de fundo nessa história toda? A tal “autonomia político-administrativa” dos tribunais regionais. Seja na Justiça, seja na universidade, a “autonomia”, no Brasil, tem sido entendida como “soberania”.

Aí fica complicado. Pego um caso: se o máximo salário que se pode pagar no Brasil a um servidor público é o vencimento de um ministro do Supremo, e é!!!, isso me parece claro o bastante para excluir procedimentos ditos “autônomos”, que, muitas vezes, multiplicam esses ganhos por três, quatro vezes ou que instituem formas de remuneração ao arrepio da própria lei.

Se a corregedoria do CNJ não puder investigar um eventual caso notório de descumprimento da lei num tribunal regional a menos que haja um processo aberto na corregedoria local, então é forçoso admitir que essa corregedoria local é que tem poder sobre a corregedoria de alcance nacional — ou perdi alguma coisa? Li a Emenda 45, que trata do assunto, e não consegui encontrar nada que impeça o poder de investigação da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça.

Marco Aurélio, os ministros do Supremo e os magistrados de maneira geral deveriam ter claro que a média da população, e não sem razão, vê a Justiça com desconfiança porque a considera lenta demais, burocrática demais e tendente a garantir a impunidade.

Deveriam todos estar empenhados em, pela prática, mudar essa imagem. Vigora, infelizmente, nas ruas a máxima de que, no país, só são punidos os três “pês”: puta, preto e pobre. Não estou pedindo que se decida levando em conta um exagero retórico.
Estou cobrando o razoável: que o Conselho Nacional de Justiça, QUE NÃO É UMA ENTIDADE SECRETA, possa investigar, de forma discplinada, eventuais desvios de conduta de juízes. E em parceria, quando isso for possível, com as carregedorias regionais. É um capricho do corporativismo aceitar que estas sejam o limite daquela.

Todos vimos a condenação do democrata Rod Blagojevich, ex-governador do estado de Illinois, nos Estados Unidos, a 14 anos de prisão porque tentou vender uma vaga no Senado, justamente a que pertencia a Obama. Gernard Madoff, o trapaceiro, está em cana faz tempo. É evidente que isso ajuda a inibir a bandidagem. É a impunidade que alimenta o ciclo da corrupção.

Criar mecanismos que combatam a impunidade e garantam a celeridade da Justiça, pois, deveria ser a preocupação número um das entidades que reúnem juízes.
Em vez disso, muitos deles se ocupam de garantir privilégios e proteções corporativistas. É ruim para a Justiça, para o Brasil e para os brasileiros. E, definitivamente, é chegada a hora de debater o que significa “autonomia” numa República. Uma coisa é certa: não significa a criação de repúblicas independentes dentro da República.

Reinaldo Azevedo

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