"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

SENADO 'REGULAMENTA' SAÚDE E DEIXA SUS NA PINDAÍBA

Terminou a tramitação do projeto que define os investimentos em saúde. Já tinha passado pela Câmara. Na noite desta quarta (7), foi aprovado no Senado.

O texto seguiu para a mesa de Dilma Rousseff. Sancionado, vai virar lei. O que muda? No essencial, nada.

A saúde pública brasileira vai continuar na mesma situação: afundando. A analogia do navio é mesmo a mais adequada para descrever a cena.

Um navio, tanto quanto o SUS, é uma coletividade em movimento. No caso do SUS, vai de mal a pior. Um navio, como o sistema de saúde, tem diversas classes.

Está todo mundo no mesmo barco. Mas alguns ficam nas cabines de luxo do último deck, ao lado da piscina. Outros, no porão, perto das máquinas.

Ninguém imaginava que o projeto fosse levar a clientela do SUS ao deck do Sírio Libanês ou do Einstein. Imaginou-se, porém, que ajeitaria o porão.

A proposta que acaba de ser aprovada era aguardada há 11 anos. Desde 2000, quando fora empurrada para dentro da Constituição a Emenda 29.

Essa emenda repartiu as responsabilidades de cada ente federativo no rateio dos investimentos no setor de saúde.

Ficou estabelecido: os municípios entram com 15% de sua arrecadação. Os Estados, 12%. A União aplica o que gastou no ano anterior, mais a variação do PIB.

Para recordar: o projeto que foi a voto é de iniciativa do ex-senador Tião Viana (PT-AC), hoje governador do Acre.

A primeira versão, aprovada por unanimidade no Senado, em 2008, mexia num dos lados do triângulo financeiro da saúde. O lado da União.

Previa: o governo federal passaria a destinar ao SUS 10% de sua arrecadação. Em números de hoje, isso representaria uma vitamina monetária de R$ 35 bilhões.

Embora a proposta fosse de um petista e tivesse merecido os votos da unanimidade dos senadores, o governo armou-se contra ela na Câmara.

Maioria em riste, os deputados do condomínio governista arrancaram do texto a regra dos 10%. A oposição tentou ressuscitá-la no Senado. O governo não deixou.

Os senadores retiraram do projeto um fantasma inventado na Câmara: a CSS (Contribuição Social para a Saúde). Uma versão edulcorada da velha CMPF.

Arrancou-se também do texto uma aberração. Os deputados haviam reduzido o bolo de recursos de onde os Estados retiram os 12% para a saúde.

Nesse lance, excluíra-se da conta a verba de um fundo educacional, o Fundeb. Com isso, as arcas da saúde tinham perdido R$ 7 bilhões.

Dito de outro modo: além de não elevar o orçamento do SUS, os deputados diminuíram o borderô. O Senado tirou essa macumba da encruzilhada.

Os congressistas festejam uma vitória de Pirro. Alega-se que o projeto teve o mérito de definir mais claramente o que é investimento em saúde.

Parece incrível, mas os governadores estavam contabilizando como gastos no setor obras de saneamento, a folha dos aposentados e outros absurdos.

A maquiagem orçamentária drena do orçamento do SUS mais de R$ 4 bilhões por ano. O projeto proíbe os desvios. Imagina-se que, agora, os governadores irão respeitar. Será?

Noves fora a definição do óbvio – dinheiro da saúde deve ser investido na saúde — a nova lei manteve o quadro de subfinanciamento do SUS.

O governo diz que não pode fazer nada. A desculpa é que o navio sofre com as intempéries. O mar não está pra peixe. É hora de contornar as geleiras que chegam dos EUA e da Europa.

Quer dizer: a turma do porão vai continuar reclamando do tratamento. Mas a ordem de Brasília é: vê se rema e não chateia. Nada é tão ruim que não possa piorar.

josias de souza

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