"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O DESAFIO DO SÉCULO

Enveredamos pelo ano de 2012 com a imprensa brasileira tendo que enfrentar alguns dilemas cruciais. O principal deles parece ser a incapacidade do modelo tradicional de jornalismo de fazer frente à complexidade do mundo contemporâneo.

O noticiário fragmentado e impreciso faz com que um número crescente de leitores abandone o jornal como fonte de informação para decisões importantes, ou até mesmo como base para fundamentar opiniões.

Esse fenômeno pode ser observado, ainda que sem rigor científico, nos prospectos de cursos de especialização ou de pós-graduação que as melhores instituições de ensino oferecem nas primeiras semanas do ano, e a percepção é reforçada em conversas com coordenadores desses produtos de educação continuada que têm como público os leitores mais qualificados.

Ao contrário do que já ocorreu em outros tempos, já não se apresenta entre as metodologias a consulta a dados da imprensa como parte do aprendizado, com exceção dos casos em que a imprensa é o tema da pesquisa.

Modelos de negócio

A análise das escolhas da mídia há muito denuncia certo partidarismo – eventualmente admitido publicamente por representantes das grandes empresas de comunicação – e revela o comprometimento do sistema imprensa, como um todo muito homogêneo, na definição de padrões que acabam sendo seguidos por algumas entidades corporativistas.

Assim, se o presidente de uma entidade de classe deseja obter espaço em determinado jornal ou revista, basta alinhavar, com a assistência de sua assessoria de imprensa, um texto que vá ao encontro desses padrões. Da mesma forma, essa predisposição para agasalhar qualquer texto que reforce os cânones expostos nos editoriais e mal disfarçados no noticiário também estimula o acesso de formadores de opinião ambiciosos – e na mesma medida intelectualmente desonestos – às disputadas páginas, espaços e tempo dos principais veículos.

Não se está aqui a dizer que todos os articulistas e colaboradores da imprensa tradicional sejam meros oportunistas. O que se pode constatar com relativa facilidade é que a adesão a esses dogmas facilita o acesso à mídia, o que limita a abrangência das opiniões emitidas.

Essa característica tende a se tornar ainda mais dominante na medida em que jornais, revistas e emissoras noticiosas se sentem pressionadas pelas dificuldades de fazer valer o modelo de negócio tradicional diante da evolução das mídias digitais.

A dúvida é necessária

O sucesso de empreendimentos como Google, Facebook e Twitter, combinado ao rápido desenvolvimento dos aparelhos de comunicação portáteis, cada vez mais poderosos e cheios de recursos, torna a cada dia mais urgente a invenção de um modelo de negócio que seja capaz de manter o valor das antigas marcas da mídia.

O dilema poderia se resumir entre a baixa receita que ainda produzem os negócios digitais de imprensa e a evidente incapacidade das empresas de comunicação de ampliar e fidelizar seus públicos.

Quando a internet ainda era uma quimera no horizonte, considerava-se que um jornal diário voltado para as classes de renda mais elevadas precisava manter uma carteira de assinantes cuja renovação se fizesse por adesão espontânea em cerca de 60%, ou seja, o público fiel entre os leitores contumazes deveria compor nada menos do que 60% da carteira de assinantes. O resto, formado pela venda avulsa, representava o esforço permanente de captação de novos leitores fiéis. No caso dos jornais chamados populares, a busca da audiência se fazia – e ainda se faz no dia a dia – com manchetes que se supõe sejam do agrado da maioria.

Acontece que a gestão pelo “faro” já não produz o mesmo resultado e os elevados custos do jornalismo de qualidade não permitem experimentações como as reengenharias inventadas por consultores exóticos durante os anos 1990.

A internet amadureceu, sua grande expansão por praticamente toda a sociedade cria a figura do leitor protagonista e o modelo engessado, com base em redações homogêneas fazendo um jornalismo pasteurizado para públicos muito homogêneos, não parece responder às demandas da sociedade contemporânea.

Em nome do futuro da imprensa, a imprensa precisa encarar o desafio de falar para comunidades mais complexas, com um jornalismo menos viciado em certezas duvidosas e enriquecido pelas dúvidas naturais de uma sociedade em transição.

Pelo menos enquanto não surge o jornalismo do futuro, a imprensa tradicional precisa se reinventar.

Luciano Martins Costa em 06/01/2012

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