"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

DE COMO PERDI UM EMPREGO

Está ficando cada vez mais difícil para as esquerdas ir a Cuba e falar da viagem. Tanto Tarso como Luciana Genro voltaram de cabeça gacha e nada disseram sobre o país. Falaram muito, isto sim, contra os Estados Unidos. De Guantánamo e do embargo.

Tarso chegou a falar em bloqueio. Ora, bloqueio naval foi o que decretou John Kennedy, em 1962, para obrigar um desmoralizado Castro a devolver à União Soviética os mísseis e ogivas que Kruschov lhe enviara. Terminada a crise, terminou o bloqueio.

O que existe agora é embargo comercial. Embargo para inglês ver, pois boa parte dos países ocidentais está negociando com Cuba. Dona Dilma, por exemplo, foi levar à Disneylândia das esquerdas um aporte de US$ 523 milhões, questão de dar um pouco de oxigênio a uma ditadura cuja economia agoniza na UTI.

Por falar em Dona Dilma... nenhum pio sobre direitos humanos. Para justificar seu silêncio, chegou a acusar seu próprio país de ferir direitos humanos. Atabalhoada, juntou duas expressões proverbiais que nada têm a ver uma com a outra, para justiticar sua omissão: “"Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro. Nós no Brasil temos o nosso”. O dito é outro: não atira pedra quem tem telhado de vidro. Quem atira a primeira, pode muito bem não ter telhado de vidro.

E dê-lhe o mantra: Estados Unidos, Guantánamo, embargo. Comunista adora ir a Cuba. Para falar dos Estados Unidos. Cuba é a melhor tribuna do mundo para xingar o Império. Sobre Cuba, silêncio obsequioso. O muro caiu há mais de duas décadas, a União Soviética também, a palavra comunista virou palavrão, mas as esquerdas não ousam, até hoje, dizer um ai que seja sobre a ditadura dos Castro.

Aconteceu em 1992. Com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, os velhos comunistas brasileiros, para satisfazer as platéias no exterior, andaram batendo com a língua nos dentes. Na época, a revista soviética Literaturnaia Gazeta, ao anunciar a ruptura de Jorge Amado com a ditadura cubana, assim titulou um artigo sobre o baiano:

“ADEUS FIDEL, VOCÊ SE TRANSFORMOU EM DITADOR”

Escândalo entre os camaradas tupiniquins. Onde se viu chamar Fidel de ditador? Vai ver que Amado andou exagerando no vinho ou queria bancar o avançadinho junto à imprensa estrangeira. Coube a Reali Júnior, correspondente do Estadão em Paris, o encargo de salvar a honra de Amado. Escreve o correspondente, em 25 de outubro de 1992:

- O artigo foi montado com trechos de entrevistas do escritor publicadas por outros órgãos de imprensa. O Proceso, do México e o La Stampa, da Itália, mas num contexto diverso, nem sempre primando pela fidelidade ao texto original. A notícia correu o mundo e o telefone de Jorge Amado em Paris tocou sem parar. Seus amigos e editores de Roma, Milão, Madri, Lisboa e mesmo do Brasil buscavam informações sobre as razões que teriam Jorge Amado a formalizar esta ruptura.

O que pensa Amado sobre Cuba, segundo o correspondente, estaria dito no prefácio que escreveu para o livro do jornalista italiano Gianni Mina, Cuba na tormenta da perestroika.

- “No México e no Brasil, o problema da miséria continua sem solução”, afirma Amado que não costuma desmentir entrevistas que não correspondam exatamente a seu pensamento. Ele prefere deixar as coisas correrem, acreditando que sua posição correta acaba prevalecendo. Neste texto ele exalta a epopéia revoluiconária, o símbolo representado pelos barbudos de Sierra Maestra, lembrando que “um escritor brasileiro não pode se levantar contra Cuba e injuriar a Revolução”.

Amado dixit. Do alto de sua mansão às margens do Sena, com vista para a Notre Dame. É muito confortável ditar normas para escritores brasileiros sobre nada dizer contra Cuba, quando se mora Paris. Mutatis mutandis, foi mais ou menos o que disse Tarso Genro, do alto do Piratini, em sua volta de Cuba.

- Tenho claro, também, que os democratas progressistas e a esquerda em geral devem ser solidários ao governo e ao povo cubano, nesta movimentação que estão iniciando, até porque muitas conquistas duramente obtidas neste período devem ser preservadas, como nas áreas da educação e da saúde pública.

Só pode ser amor. Eterno e incondicional. Castro pode fuzilar, torturar, prender dissidentes, levar um país à miséria, fazer enfim tudo que as esquerdas condenam quando a ditadura é de direita, mas continua sendo amado.

Eu trabalhava no Estadão na época. O despacho do Reali caiu em minhas mãos para titular e fazer a linha fina. Foi o que fiz.

JORGE AMADO NEGA ROMPIMENTO COM FIDEL

“Um escritor brasileiro não pode se levantar contra Cuba e injuriar a Revolução”, diz o romancista em seu apartamento em Paris

Foi o último título que fiz no Estadão. Foi também minha última jornada de trabalho. Aquele “diz o romancista em seu apartamento em Paris” podia estar tecnicamente correto. Mas soava à ironia. E se um escritor brasileiro não pode se levantar contra Cuba e injuriar a Revolução, um jornalista também não pode fazer ironias com quem diz que um escritor brasileiro não pode se levantar contra Cuba e injuriar a Revolução.

02 de fevereiro de 2012
janer cristaldo

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