"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 31 de março de 2012

OS QUATRO PILARES DA IMPRENSA LIVRE

O comentarista Mario Assis em boa hora nos envia trechos do Manifesto de Albert Camus, genial jornalista, escritor e filósofo francês. O original foi publicado no “Soir Républicain” em Argel, em 25/11/1939, depois ficou esquecido e que só agora foi republicado pelo jornal “Le Monde” em 18/03/2012.

1. A LUCIDEZ pressupõe a resistência aos movimentos do ódio e ao culto da fatalidade. Essa visão clara das coisas exclui o ódio cego e o desespero que deixa estar. Um jornalista livre, não se desespera e luta pelo que acredita ser verdadeiro como se a sua ação pudesse influenciar o curso dos acontecimentos. Não publica nada que possa incitar ao ódio ou provocar o desespero. Tudo isso está em seu poder.

2. A RECUSA. Em face da maré de besteiras, é preciso igualmente opor algumas recusas. Nenhuma das limitações do mundo leva um espírito um pouco limpo a aceitar ser desonesto. Ora, por menos que conheçamos o mecanismo das informações, é fácil nos assegurarmos da autenticidade de uma notícia. É a isso que um jornalista livre deve dedicar a sua atenção. Pois, se ele não pode dizer o que pensa, pode não dizer o que não pensa ou o que acredita ser falso. E é assim que se mede um jornal livre: tanto pelo que diz como pelo que não diz. Essa liberdade bem negativa será, de longe, a mais importante de todas, se soubermos mantê-la.

3. A IRONIA permanece como uma arma sem precedentes contra os poderosos demais. Ela completa a recusa na medida em que permite não rejeitar o que é falso, mas muitas vezes dizer o que é verdadeiro. Um jornalista livre, em 1939, não tem muitas ilusões sobre a inteligência daqueles que o oprimem. Ele é pessimista no que diz respeito ao homem. A cada dez verdades ditas em tom dogmático, nove são censuradas. Essa disposição ilustra com bastante exatidão as possibilidades da inteligência humana. Um jornalista livre, em 1939, é, portanto necessariamente irônico, ainda que, volta e meia, a contragosto. Mas a verdade e a liberdade são amantes exigentes, pois têm poucos apreciadores.

4. A OBSTINAÇÃO. Com essa atitude de espírito brevemente definida, é claro que ela não se poderia sustentar de modo eficaz sem um mínimo de obstinação. Não são poucos os obstáculos à liberdade de expressão. Não são os mais graves deles que poderão desencorajar um espírito. É preciso reconhecer, porém, que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva e por aí vai. Eis o grande obstáculo sobre o qual é preciso triunfar. A obstinação é aqui uma virtude cardeal. Por um paradoxo curioso, porém óbvio, ela se põe a serviço da objetividade e da tolerância.

31 de março de 2012
Albert Camus

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