"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 7 de abril de 2012

A CPI DO CARLINHOS CACHOEIRA

A CPI do Carlinhos Cachoeira, se for realizada, será mais uma das múltiplas iniciativas tópicas, que atacam o sintoma sem cuidar das causas da doença.Dor de cabeça? Tome uma aspirina. A CPI não deverá ser mais que isto: uma aspirina institucional. Outra.
Tem sido assim desde o fim do regime militar: CPI da Corrupção (governo Sarney), do PC Farias (governo Collor), dos Anões do Orçamento (governo Itamar Franco), dos Precatórios (governo FHC), da Petrobras (governo Lula, que, diga-se, nem como aspirina funcionou), do MST. Etc.
Qual o resultado? Queimaram-se algumas reputações (a maioria acertadamente), derrubou-se um presidente da República, mas a doença continuou lá, intacta. Passado o efeito da aspirina, cada vez mais rápido, voltam as dores de cabeça.
O mais grave é que todos, desde o início, sabiam (continuam sabendo) qual a causa da enfermidade: o sistema político. Tanto assim que a cada nova legislatura – incluindo a atual – elege-se como prioridade a reforma política e, ao final, ninguém a faz.
Acaba reduzida a um arremedo, que, na maioria das vezes, piora o que lá estava. Ninguém ignora que o sistema partidário e a legislação eleitoral (sobretudo o financiamento de campanhas) são o tumor a ser expelido. Na hora de fazê-lo, ninguém o faz.
O presente governo está no seu segundo ano. O novo Congresso, ao assumir, fez da reforma política o seu estandarte. Criaram-se comissões especiais na Câmara e no Senado e, para não variar, fez-se muito barulho por nada. Como se previa, as eleições deste ano se darão sob as mesmas regras das anteriores.
É natural que se reproduzam os mesmos cenários, por onde se movem com desenvoltura os Carlinhos Cachoeira e se desviam os inúmeros Demóstenes Torres.
Não há jantar grátis. O financiador quer contrapartida, e esta, em regra, vem pelos métodos já expostos (pela enésima vez) nos telefonemas grampeados do contraventor com o senador: ações político-administrativas, que vão desde inside information até proposição de leis.
O senador tem sido o judas da vez, mas sabe-se que o elenco é infinitamente maior e suprapartidário. Corrupção, afinal, não tem ideologia. Não é de direita, nem de esquerda, e convive sem conflitos com o mais variado leque de tendências e doutrinas.
Quanto a isso, os exemplos presentes são claros: vão desde o PR (Ministério dos Transportes), passando pelo PCdoB (Ministério dos Transportes), DEM (Demóstenes Torres), PTB (Ministério do Trabalho), até o impávido colosso do PT (Antonio Palocci, governo de Brasília, Ministério da Pesca, Banco do Brasil, etc.).
Isso sem falar do Mensalão, que há sete anos (!) produziu nada menos que três CPIs simultâneas e até agora não produziu nenhum efeito concreto.
José Dirceu perdeu o mandato, mas continua sendo a figura de maior peso no PT, abaixo de Lula. José Genoíno é assessor especial do Ministério da Defesa. João Paulo Cunha é presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Nada menos.
Roberto Jefferson, que denunciou a lambança, da qual fazia parte, continua a presidir o PTB, que continua na base governista.
Até chegar ao poder, em 2003, o PT associava-se a alguns procuradores da República – e o mais célebre foi Luiz Francisco de Souza, ausente do cenário político desde então – para providenciar CPIs, que funcionavam com o instrumento de pressão e desgaste contra os governos.
Não se pretendia curar nada, apenas enfraquecer o adversário. Lula dizia que “quanto mais CPI, melhor”.
No poder, conseguiu protagonizar uma inédita passeata contra uma CPI, a da Petrobrás. Sua base, por sua vez, agiu e age para que jamais se instale uma CPI para apurar o assassinato de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André.
E há o mensalão, paroxismo desse processo, por sua abrangência sistêmica. A frouxidão com que a oposição o tratou, evitando ir às últimas consequências, evoca o desafio bíblico do “atire a primeira pedra”.
PSDB e DEM tiveram seus mensalões, em proporções bem mais reduzidas. O PSDB fez como o PT: blindou seu acusado, o senador Eduardo Azeredo.
O DEM, novamente bola da vez, foi o que teve melhor conduta: expulsou o então governador Roberto Arruda e, agora mais uma vez, o senador Demóstenes.
Mesmo assim, não foi além do expediente da aspirina. Ninguém acredita que desta vez será diferente: entregam-se os anéis (os que foram flagrados) para salvar os dedos (o sistema político, que, com as exceções de praxe, contamina a todos).
A CPI do Cachoeira, portanto, não interessa a ninguém, pois trará à tona, em ano eleitoral, o vasto e ecumênico leque de beneficiários da cascata republicana em curso.

07 de abril de 2012
Ruy Fabiano é jornalista

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