"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 7 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

A BUSCA DO PASSADO


SÃO PETERSBURGO – Só agora, olhando as largas janelas do hotel “Astoria”, em frente à belíssima catedral de Santo Isaac, aqui em São Petersburgo, descobri porque, 55 anos depois, resolvi voltar mais uma vez, pela quinta vez, a Moscou e São Petersburgo. É apenas o gesto inútil e magnificamente feliz de, aos 80 anos, reencontrar o passado.
Tristão de Athayde ensinou e usei como subtítulo de meu livro “A Nuvem” que “o passado é o que ficou do que passou”. Dali, de uma daquelas janelas, na noite de muito frio de 20 de agosto de 1957, escrevi uma carta de 10 laudas, à mão, letra clara, a meu irmão, que a guardou por meio século, como outras. (Essa, com papel timbrado do Hotel Astoria).

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HERMITAGE

1 – “Meu caro José, poderia ter imaginado tudo, menos que um dia viesse escrever a você daqui deste canto do mundo, próximo ao pólo norte. Da janela mais alta do “Hotel Astoria”, ai em cima na foto, estou vendo uma cidade fria, cinzenta, ensombreada, nuvens baixas. No entanto, estamos no verão e os russos tomam sorvete pelas ruas, pensando já no frio e na neve que se aproximam , com 20, 30 e mais graus abaixo de zero.

2 – “Apesar disso, Leningrado, antiga São Petersburgo (a cidade de Pedro o Grande e Catarina da Rússia) e capital do país até 1918, é linda. Mais que Moscou, que é imensa com seus 8 milhões de habitantes, avenidas enormes, mas de arquitetura pesada, toda igual, monótona”.

3 – “Participei do Festival Mundial da Juventude em Moscou. Até agora tenho me dedicado principalmente a colher dados, fazer fotografias, conhecer de perto a vida do povo para escrever um livro, que já iniciei, sobre os países socialistas.A condição de jornalista me tem ajudado muito”.

4 – “Leningrado, antiga capital, era a cidade dos reis russos. Passei horas andando por dentro do palácio onde moravam. São 1.500 salas e salões, todos dourados, um luxo de espantar. Só agüentei percorrer uns 300. Hoje é o museu Hermitage, dos mais famosos do mundo, cheio de quadros, estatuas, mais de 2 milhões de obras de arte do mundo . Calcule 1.500 salas como a igreja de São Francisco em Salvador, para um rei e uma rainha”.

5 – “Leningrado tem 4 mil hectares de parques e jardins públicos, 101 ilhas, 65 canais, 48 pontes e 3 milhões de habitantes (hoje, 5 milhões). A cidade foi cercada três anos, de 1941 a 44, pelos alemães e bombardeada. Todos os prédios atingidos foram reconstruídos como eram antes. A grande figura é Lenin, o chefe da revolução de 1917, que derrubou o imperio e implantou o governo socialista. No centro da cidade há um grande relógio marcando dez para as sete. Foi a hora em que Lenin morreu em 1924.”

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PUTIN

A Russia sempre foi assim. Orgulhosa, valente, nacionalista, com uma permanente consciência de seu tamanho, de sua força, de seu valor. No Kremlim há um canhão de 40 toneladas, afundado no jardim. Tão canhão que ficou inútil. Também há um sino cuja primeira badalada arrancou-lhe um tampo. E nunca mais tocou. Está lá inútil.
Enganaram-se os Estados Unidos e sobretudo a imprensa serva, servil e serviçal da América Latina quando imaginaram que a queda do muro seria também a queda do povo russo. As surpreendentes vitorias e reeleições de Putim explicam-se ai: os russos vêem nele um defensor de sua história, de sua economia (8 a 10% de crescimento), seu futuro.

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A TURMA

Mas esse é o passado que não passou. As pedras não passam. Ficam, como marco e história. Mas infelizmente os homens não são pedra. Onde estão meus companheiros de 1957, que comigo passavam por estas mesmas praças, discutindo os mesmos sonhos? Passaram, quase todos passaram…
Eramos mais de 200, só do Brasil, entre os milhares do mundo todo. E eles passaram . Roger Ferreira, de São Paulo, Valter da Silveira e José Gorender, da Bahia, Murilo Vaz, do Rio, Araripe, do Ceará, e o surpreendente Napoleão Moreira, pai de meu amigo Mauricio Moreira, simpático, elegante, bem falante, usineiro esquerdista de Alagoas, em um festival de comunistas em Moscou. Nenhum mais aqui, quase ninguém mais aqui.
Ainda bem que penso em Minas e lá estão meus queridos amigos Martha e os irmãos Azevedo. No Rio Grande do Sul lá está o lúcido e incansável Carlos Araujo, menos de 20 anos, o mais jovem de todos nós. Como penso na Bahia e lá continua, irmão de meio século, o então líder da Escola Politécnica, hoje cientista nuclear, o professor Ubirajara Brito.

Sebastião Nery
07 de abril de 2012

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