"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 3 de abril de 2012

MILLÔR, UM ESCRITOR SEM DIREITOS SOBRE LINHAS TORTAS

Agora é a hora do panegírico, do elogio, da apologia. Contra todas as estimativas Millôr Fernandes morreu com mais de 80 anos (como ele mesmo dizia: acima dos seus próprios recursos).

Da Bíblia do Caos, 1994

Aplauso – O aplauso é a minha pátria (Escrito em 1961. Hoje acho o aplauso uma bobagem).

Elogio – Me elogia, vai! Escreve um troço aí!/Não dói não!/ Faz de conta que morri!

MILLÔR É MORTAL

Isso se provou agora estes dias. Millôr morreu. Quanta gente chorando na sua cremação, e não era a fumaça nem cinza nos olhos não. Mas vejam o que ele mesmo escreveu na sua Bíblia do Caos sobre a morte (dos outros):

A Morte – Pensamento final de todo o mundo: Mas já? E por que eu? Por que pra sempre? (1994)

No caso do Millôr a morada agora é etérea, feita de fumaça, e pra sempre. Ele está agora no smoking-sky, muito acima do fumacê das armas permitidas aos bandidos pacificados, e dos apaziguadores do Rio de Janeiro. Aliás, como ele mesmo dizia:

– Apaziguador é um cara que pensa que tratando com cuidado um rinoceronte ele um dia dá leite de vaca (1994). Sergio Cabral naquele tempo era apenas o filho do Sergio Cabral.

Millôr era um pacifista? Acho que era. Mas não destes que andam por aí pacificando bandidos.

Pacifista – Sempre fiquei fora da briga. Quando nasci a primeira guerra já tinha terminado. Na segunda eu já era muito cínico. (1994)

Reparem só: depois de um certo tempo todo pacifista já caminha em ritmo militar. (1994) Mas a Dilma marcha com as pernas abertas! Vocês já viram?

Millôr nos liderou, tem gente que disse isso. Mas Millôr era um líder? Coisíssima nenhuma. Millôr nunca liderou nada. Millôr era mortal e muito vivo: jamais sucumbiu à mosca azul da Academia Brasileira de Letras. Já pensaram o Millôr de fardão, lado a lado com o imortal Sir Ney? Millôr era apenas um pensador médio num país que pensa muito pouco, portanto fora da medida do grande intelectual Sir Ney.

Líder – Não liderou nada na vida a não ser o pequeno grupo que o levou à última morada. (1994).

Lula – Um líder aspirando cada vez mais pompa e tropeçando mais nas circunstâncias. (1994) Ou seriam nas sircumstanzias, Millôr?

– Tão medíocre que nem no dia do próprio enterro conseguiu ser o centro das atrações (1994).

Não, este não é o Millôr. Para começar o Millôr não foi ao enterro dele. Explico, ele foi incinerado, que nem o Chico Anísio. E deixou órfãos e órfãs que não vão assombrá-lo com exames de DNA.

Millôr era um escritor e um humorista sóbrio. Há controvérsias, entretanto. Eu tenho dúvidas sobre essa agora propalada sobriedade, e olha que eu não precisei vasculhar muito o lixo para encontrar algumas garrafas de VAT 69 ou um Haig’s.

Sobriedade – Existe coisa mais sóbria do que uma garrafa de uísque lacrada? (1994)

Millôr nunca foi sóbrio, nem por isso abdicou do próprio ego. O que seria de nós sem o ego do Millôr? Sobraria apenas o Eu, a alma, mas até isso ele negava:

Ego – O Ego é uma máquina de enrustir. Ficar mexendo nele com a varinha da irresponsabilidade psicanalítica a fim de trazer à tona o lodo que deveria ficar sempre no fundo (lei hidráulica) é um crime imperdoável e irreparável. (1994). Isso me lembra duas coisas: psicanalistas lavando roupa suja, e a tal Comissão da Verdade. A única Comissão de Verdade do Congresso Nacional é a dos 15%, 20%, 30%.

Alma – Não possuo alma. Sou, como todo o mundo, uma alucinação holística e holográfica.

Millôr agora é memória. Que azar, logo em um país com memória tão curta que todo cidadão, como um verdadeiro Catão, ao acordar deveria repetir três vezes: mensalão, mensalão, mensalão. Por isso, até o Millôr desaparecerá um dia.

Memória (ou a falta dela) – O pior da velhice é você ainda conservar uma grande capacidade de conquista, levar mulheres para a cama com a maior desenvoltura, e não se lembrar pra quê. (1994)

E por favor, não me venham com aquela surrada: Millôr vive! Ou pior ainda: vem aí uma novela da Globo sobre o Millôr. Ele não merece!

E, por fim, as últimas do Millôr:

Quando eu morrer só acreditarei na sinceridade de uma homenagem – o agente funerário não cobrar o enterro (a cremação).

Meu epitáfio: Não contem mais comigo!

03 de abril de 2012
charles london

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