"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 3 de junho de 2012

"GILMAR x LULA: PERGUNTAS QUE SOBRAM"

Suponhamos que, no encontro do dia 26 de abril entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Nelson Jobim e o ministro Gilmar Mendes, do STF, tudo tenha se passado exatamente como este último relatou à revista Veja, embora os outros dois neguem tratativas sobre o processo do chamado mensalão e a oferta de blindagem ao magistrado na CPI do Cachoeira, por parte de Lula, em troca do adiamento do julgamento. A execração do ex-presidente foi imediata, por parte dos que tomaram a narrativa do ministro como verdade indiscutível. Falta perguntar , porém, se a conduta de Gilmar, como magistrado da corte suprema, foi correta. Manteve ele o decoro que deve ser exigido não apenas dos parlamentares e dirigentes do Executivo?
 
Foram observados os preceitos do Código de Ética da Magistratura Nacional, instituído em 2008 por Resolução baixada por ele mesmo, quando era presidente do STF, e por decorrência, do CNJ? Tal Código determina que o exercício da magistratura seja norteado “pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.”
 
Manda o Código que o magistrado, buscando sempre a verdade nas provas, mantenha “distância equivalente das partes e evite todo tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Mas Lula não é réu no caso do mensalão e por isso o encontro em si não foi aético ou indevido, como alguns disseram. Manda ainda o Código que o magistrado denuncie todas as tentativas de cercear sua independência.
 
Supondo que Lula o tenha mesmo pressionado, oferecendo proteção política em troca da postergação do julgamento, o ministro indignado procurou imediatamente seus pares para relator o ocorrido, de modo reservado, pautado pelo decoro? Aqui, cabe ainda outra pergunta: Se Lula, tendo perdido todo o tino político, estava disposto a enfiar o pé na jaca para cooptar ministros do STF, por que não começou pelo ministro Levandovski, que na condição de ministro revisor é quem, de fato, tem poder para ditar o timing do julgamento? Gilmar disse ter comentado com alguns colegas, só informalmente, antes de fazer o relato a Veja.
 
Exige o Código que os magistrados sejam contidos na relação com os meios de comunicação, evitando a autopromoção e a busca de reconhecimento, e mantendo reserva quanto aos processos em curso. E ainda que façam uso de “linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível”. É pródigo em vedações sobre condutas e obtenção indevida de vantagens e benefícios. Se a viagem para Berlim foi paga pelo próprio STF (parcialmente, tendo o ministro comprado bilhete complementar com dinheiro próprio), a carona em jatinho para Goiânia não seria uma infração? Gilmar foi coerente com o Código que baixou?
 
Mas supondo sempre que tudo ocorreu como relatou o magistrado, constatanos que pelo menos uma acusação sem provas ele fez a Lula, a de que estaria espalhando boatos sobre seu suposto envolvimento com Demóstenes/Cachoeira. E ainda outra, a de que o delegado federal aposentado Paulo Lacerda estaria assessorando Lula e o PT com a missão de destruí-lo, a ele Gilmar. Lacerda, sabemos, deixou a ABIN no Governo Lula após ser acusado por Gilmar de ter grampeado conversa sua com o senador Demóstenes.
 
O áudio nunca apareceu e ficou por isso mesmo. Disse ainda o magistrado que Lula estaria a serviço de “bandidos”, “gângsters” e “chantagistas” interessados em “melar o julgamento”, “arrastando o Judiciário para a vala comum”, “criando uma crise no Judiciário”.
 
Não é preciso usar toga para concluir que um grande mal foi feito à imagem do Supremo pelo ministro Gilmar ao acender esta fogueira, na qual fez crepitar também informações nocivas a si mesmo. Há uma estranha irraciionalidade em tudo o que ele fez. Ou foi um surto, ou há muita água turva neste caso.
 
03 de junho de 2012
Tereza Gruvinel - Correio Braziliense

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