"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 3 de julho de 2012

A SEGUNDA NOVELA ALEMÃ E PORTUGUESA

Chamava-se Markus, com “k”. Podia chamar-se Tony. Jovem pianista e mestre-escola, veio da aldeia alemã de Schweich, junto à fronteira com Luxemburgo, em meados do século XIX, contratado pelos Malburg, donos da navegação do Rio Itajaí, para ser professor dos filhos e das filhas das famílias européias.

Mas também de algumas não européias. Foi ensinar piano à filha do major Henrique Flores, chefe do Partido Conservador na província, e ensinou o piano e o amor a Adelaide. Casaram-se e ele acabou se metendo na política, no Partido Republicano Catarinense.

Esse Markus, com “k”, era bom de filhos. O mais velho, Adolfo, foi deputado federal de 1921 a 25 e presidente (até 30, os governadores eram presidentes) do Estado de 26 a 30. O segundo, Viktor, ministro da Viação e Obras Públicas, de 26 a 30. O terceiro, Arno, embaixador nos Estados Unidos. O quarto, Marcos com “c”, prefeito de Itajaí.

E Marieta, a filha, que se casou com Irineu Bornhausen, descendente de suiços-alemães da primeira imigração, também ele vereador, prefeito, deputado, governador, senador e dono de banco.

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COMUNISTAS E NAZISTAS

Como o pai, esse Marcos, com “c”, prefeito de Itajaí, também foi muito bom de filhos, todos subversivos. Valério, médico, intelectual, dirigiu o setor cultural do Partido Comunista e da Aliança Nacional Libertadora, passou um ano e meio preso com Graciliano Ramos, que lhe dedicou páginas inesquecíveis nas “Memórias do Cárcere”, como caçador de percevejos.
Em 50, já cassado Luís Carlos Prestes em 48, os comunistas lançaram Valério para o Senado, pelo Rio, na legenda do nanico PRT. Perdeu para Napoleão Alencastro, do PTB de Getúlio e Mozart Lago, do PSP de Ademar.

Vitor, sem “k”, o segundo filho, jornalista, também foi dirigente do Partido Comunista. Alexandre, também jornalista, fascista, nazista, processado por espionagem na Segunda Guerra, dirigiu em Belo Horizonte a “Tribuna de Minas”, com seu texto talentoso, devastador, escrevendo artigos magnificamente loucos, inclusive contra mim, jovem jornalista comunista.

Maria Luiza, a filha, casou-se com o socialista Evandro Lins e Silva, patriarca da advocacia brasileira. E ainda dois netos exemplares, jornalistas, intelectuais, professor e filósofo, Leandro e Rodolfo.

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30 DE UNS, 64 DE OUTROS

Todos eles Konder. Desde Markus, o pianista com “k”, casados e aliados aos Bornhausen, comandaram Santa Catarina muitos anos, até serem derrubados, na Revolução de 30, pelos Ramos, portugueses açorianos.

O primeiro, Vicente Ramos, deputado do Império, duas vezes presidente do Estado e senador, também foi bom de filhos: Nereu Ramos, que foi tudo, deputado, governador, interventor, senador, ministro da Justiça e presidente da República. Joaquim Ramos, deputado federal, testemunha ocular da história, e Celso Ramos, governador e senador.

Em 64, veio o golpe, que derrubou os Ramos do PSD e pôs no poder a UDN dos Konder e Bornhausen e Reis, como Antônio Carlos Konder Reis, filho de uma filha do velho Markus com “k”, Elisabeth, e primo dos outros.

Diretor da UNE, conservador de museus no Rio, várias vezes deputado, senador, relator da Constituição de mentira de Castelo, governador nomeado de 75 a 79, depois deputado federal.
É o eterno sangue do poder.

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UMA EPOPÉIA GENEROSA

Em Roma, adido cultural lá, eu irritava os italianos dizendo-lhes que a maior cidade italiana não é Roma nem Milão, é o Estado de São Paulo, com mais de quatro milhões de imigrantes ao longo de um século, de 1850 a 1950.

Sobre isso, a Fundação Agnelli, da Fiat e da Ferrari, tem um trabalho exaustivo, monumental, com o levantamento, ano a no, sobretudo o meio século entre 1870 a 1920, da entrada de italianos no Brasil, principalmente pelo Porto de Santos, uma saga que o talento de Benedito Ruy Barbosa foi buscar para as novelas “Terra Nostra” e “Esperança”.

Santa Catarina, em números menores, porém mais antigos, foi a mesma coisa. Em 1851, alemães, suíços, austríacos e noruegueses, vindos da Europa na Barca Colon, depois de 78 dias de viagem, morrendo sete no mar, desceram à beira do Rio Cachoeira, na província de Santa Catarina, para formar a Colônia Dona Francisca, hoje esta bela, simpática e rica Joinville de 500 mil habitantes.

Eles eram apenas 200. Em 1881, 30 anos depois, mais 754 novos imigrantes chegavam à Colônia Dona Francisca, já com 19.445 europeus.
A imigração brasileira é uma epopéia da generosidade nacional.

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