"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 31 de julho de 2012

VÃO 'MAU' AS LETRAS JURÍDICAS DO PAÍS


A defesa de José Dirceu de Oliveira e Silva, personagem central do mensalão, vai sustentar na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF) que "a história foi montada por Roberto Jefferson" e que o esquema de compra de apoio parlamentar "não existiu".
É o que leio no Estadão de hoje. Interrogado como se sente sabendo que seu cliente é o principal réu do mensalão, responde José Luís Oliveira Lima, o advogado de José Dirceu:

- Tranquilo, pois não há nos autos nenhuma prova, nenhum documento, nenhum testemunho que incrimine o ex-ministro José Dirceu.
- Onde está o ponto fraco da acusação?
- Na inexistência do que uma parcela da imprensa chamou de mensalão. Não há nos autos, nos depoimentos que foram prestados - e foram mais de quinhentos depoimentos sempre com a presença do Ministério Público -, nenhuma testemunha que confirme as acusações levantadas pelo ex-deputado Roberto Jefferson.

O Ministério Público, durante a instrução criminal, não comprovou nenhuma das acusações contra o meu cliente. E não comprovou não por incompetência ou inércia, mas sim porque meu cliente não cometeu nenhum crime.

No dia 6 de junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson denunciou a existência do mensalão no Congresso. No dia seguinte, a denúncia é matéria de capa em todos os jornais diários do Brasil. No dia 14 do mesmo mês, em novo depoimento, desta vez ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Roberto Jefferson diz a José Dirceu, chefe da Casa Civil, que saia do governo “rapidinho”.

Dois dias depois, José Dirceu – o homem-forte do governo, o integrante do PT com maior influência sobre o presidente Lula – atende ao pedido do deputado e renuncia rapidinho.

Pergunta que se impõe: se não houve mensalão, porque o ministro renunciou rapidinho? Pobre homem, alijado de um cargo vital da nação por uma reles conspiração da mídia. Esta calúnia monstruosa, que afastou de um governo impoluto um de seus mais fiéis servidores, clama aos céus por justiça. O PT também.

A defesa dos petistas é patética. Soa como o dogma da virgindade de Maria. Credo quia absurdum. A virgindade da Maria colou ao longo dos séculos. Não seria de duvidar que a tese da inexistência do mensalão também vingasse.

- Teme que outros réus empurrem sobre José Dirceu toda a responsabilidade pelo mensalão? – pergunta o repórter.

Apesar de o capo di tutti capi ter pedido desculpas à nação pelo mensalão, a defesa de Dirceu está serena:

- De maneira alguma, pois esse fato (o mensalão) não ocorreu.

O mesmo não pensa Lula:

- Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória.


- Mas não é só. Esta é a indignação que qualquer cidadão honesto deve estar sentindo hoje diante da grave crise política. Se estivesse ao meu alcance, já teria identificado e punido exemplarmente os responsáveis por esta situação. Por ser o primeiro mandatário da nação, tenho o dever de zelar pelo estado de direito. O Brasil tem instituições democráticas sólidas. O Congresso está cumprindo com a sua parte, o Judiciário está cumprindo com a parte dele. Meu governo, com as ações da Polícia Federal, estão investigando a fundo todas as denúncias. Determinei, desde o início, que ninguém fosse poupado, pertença ao meu Partido ou não, seja aliado ou da oposição. Grande parte do que foi descoberto até agora veio das investigações da Policia Federal.

Oliveira Lima alega que nenhuma testemunha confirma as acusações. Não sei se o causídico notou, mas está colocando em dúvida a credibilidade do ex-chefe da nação. O que tanto faz como tanto fez. Lula, que pediu desculpas publicamente em 2005 pelo mensalão, também diz agora que o mensalão nunca existiu.

Mas não era disto que eu queria falar. E sim de artigo que li no órgão oficial do PT, a CartaCapital - revista que pretende provar a virgindade de Maria, digo, a inexistência do mensalão -, de autoria de Leonardo Massud, que se assina como advogado criminal, professor de Direito Penal da PUC-SP, mestre e doutorando pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, autor do livro "Da Pena e Sua Fixação: Finalidades, circunstâncias e apontamentos para o fim do mínimo legal".

Lá pelas tantas, o titulado causídico escreve: “Num Estado que se pretende democrático, só é possível punir mais gravemente alguém pelo que essa pessoa fez e não por aquilo que ela é. Assim, quando examinar uma circunstância que diga respeito ao autor, o juiz só poderia considerá-la se fosse para favorecer o réu, pois, do contrário, seria permitir a punição mais severamente por seu estilo de vida ou sua maneira de ser (mal vizinho, mal pagador, péssimo marido), sem relação com o que a lei quis proibir, ou seja, sem nexo com o crime”.

Falei há pouco sobre recente pesquisa segundo a qual apenas 35% das pessoas com ensino médio completo podem ser consideradas plenamente alfabetizadas e 38% dos brasileiros com formação superior têm nível insuficiente em leitura e escrita. É o que apontam os resultados do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012, pesquisa produzida pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e a organização não governamental Ação Educativa.

A situação é ainda mais grave do que se possa imaginar. Pois quando um advogado criminal, professor de Direito Penal da PUC-SP, mestre e doutorando pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra grafa “mal vizinho”, “mal pagador”, há muito o analfabetismo migrou do ensino superior para a pós-graduação.

Vão mau as letras jurídicas no país.


31 de julho de 2012
janer cristaldo

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