"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de agosto de 2012

A INDÚSTRIA PETROLÍFERA RELANÇA O CONTO DA ABUNDÂNCIA, REPETIÇÃO DAS MENTIRAS QUE DIZIA NO FIM DA DÉCADA DE 90

 
Se você atua sob a hipótese de que o petróleo da terra – ou pelo menos o material barato – está prestes a acabar, não vai prosperar na nova era do petróleo. A tecnologia está a tornar possível descobrir, produzir e refinar petróleo tão eficientemente que a sua oferta, pelo menos para finalidades prática, é basicamente ilimitada (1998).

Esta era a história contada pela indústria antes de uma década de ascensão nos preços que culminou num pico histórico em 2008. Só mesmo a indústria petrolífera teria agora a audácia de mais uma vez apregoar como se fosse novidade um conto que se revelou errado ao longo de mais de uma década.

Ao aliciar os jornalistas e o seu exército de consultores pagos, a indústria está mais uma vez a dizer ao público que a abundância de petróleo está à mão. E, o que é duplamente audacioso, é que ela está a promover este conto quando os preços do petróleo pairam a níveis mais de oito vezes superiores dos de 1999. A indústria está claramente a contar com a amnésia coletiva para se proteger do ridículo.

O propósito da indústria é transparente. Assegurar que o mundo permaneça viciado em combustíveis fósseis, convencendo a todos que as nossas fontes de energia – mais de 80% delas são combustíveis fósseis – não precisam mudar. É uma estratégia vencedora mesmo que a sua premissa esteja errada, pois as companhias de petróleo ainda têm enormes reservas de combustíveis fósseis debaixo da terra que querem vender a preços máximos. E vão conseguir esses preços máximos se os governos, as empresas e as famílias deixarem de se converter para alternativas e permanecerem portanto reféns dos combustíveis fósseis.

Num golpe de gênio de relações públicas, a indústria enviou recentemente um dos seus, Leonardo Maugeri , um executivo italiano do petróleo, para um trabalho extra como “research fellow” em Harvard.
É difícil imaginar um nome mais prestigioso para propalar os sistematicamente ultraotimistas pronunciamentos da indústria acerca da oferta petrolífera – muito embora sejamos informados em tipo itálico no rodapé do relatório de Maugeri que “declarações e visões expressas neste resumo são unicamente as do autor e não implicam endosso por parte da Universidade de Harvard, da Harvard Kennedy School ou do Belfer Center for Science and International Affairs”. Imagine quantos jprnalistas imprimiram esta ressalva.



PREVISÕES ERRADAS

Pode-se encontrar o relatório de Maugeri aqui . O que não encontrará aí ou nos relatos habituais da mídia são as suas previsões sistematicamente falhadas acerca da ascensão da oferta na última década, oferta que era suposto resultar numa inundação de petróleo. Aqui está uma joia de 2006 num artigo que escreveu para a Forbes Magazine :

“Uma previsão plausível é que no fim da década a procura diária por petróleo ter-se-á expandido em 7 a 8 milhões de barris. Se a produção global continuar às taxas atuais, ela poderia crescer em 12 a 15 milhões de barris por dia nesse período. Por outras palavras, há petróleo mais do que suficiente no terreno”.

A alegação de Maugeri era que altos preços resultariam numa resposta da oferta que trariam de volta a abundância dos bons velhos tempos. Naturalmente, ninguém a cobrir o seu recente relatório teve o incomodo de mencionar que a sua previsão de 2006 estava errada – e não por apenas um pouco. A produção mundial de petróleo tem estado estagnada desde 2005. A sua alardeada resposta da oferta nunca se materializou.

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AUMENTO DAS RESERVAS???

Mas não foi por falta de tentativas da indústria petrolífera. Como explicou John Westwood, presidente da empresa de consultoria em energia Douglas-Westwood, numa recente apresentação de diapositivos, está a tornar-se excessivamente difícil acrescentar nova capacidade de produção de petróleo. Uns US$2,4 trilhões de dólares de despesas de capital da indústria petrolífera, entre 1994 e 2004, aumentaram a taxa mundial de produção de petróleo em 12 milhões de barris por dia.

Contudo, os US$2,4 milhões de milhões em despesas de capital gastos entre 2005 e 2010 resultaram numa diminuição na taxa de produção de petróleo de 200 mil barris por dia.

Ainda assim, Maugeri e a indústria como um todo continuam a tentar convencer toda a gente de que as coisas agora mudaram. Naturalmente, eles persistentemente permanecem longe dos dados e tendências reais as quais mostram ofertas de petróleo estagnadas desde 2005 apesar da ascensão de preços, algo que tenderia a refutar a sua posição.
E eles tentam confundir a questão com o acréscimo de coisas que não são petróleo aos números da oferta de petróleo , tais como líquidos de instalações de gás natural e biocombustíveis, e a seguir aplaudem-se a si próprios por estarem certos acerca da ascensão da produção de petróleo quando, de fato, estão realmente errados.

Maugeri e outros argumentam não com a utilização de fatos e sim de fantasias. Tentam vender seu futuro imaginado recorrendo a vastas ofertas de petróleo de fontes com teor extremamente baixo e que ninguém até então compreendeu como extrair lucrativamente , tais como xisto petrolífero (oil shale) – não confundir com óleo de xisto (shale oil) o qual é adequadamente chamado tight oil.

Ou projetando taxas irrealistamente baixas do declínio mundial dos campos existentes , pretendendo que os campos existentes são algo como fábricas que se pode fazer produzir não muito abaixo dos níveis atuais por um período de tempo prolongado ao invés de declinarem a taxas historicamente observadas. Ou então ainda empenhando-se em projeções fantasiosas do crescimento da oferta não baseadas nos dados existentes e num entendimento adequado da informação histórica e técnica.

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A MANCHETE É QUE CONTA

Mas como qualquer bom profissional de RP lhe dirá, é a manchete que conta. Assim, Maugeri e outros obtiveram toda espécie de manchetes a proclamarem uma nova era de abundância petrolífera. Os repórteres tendem a centrar-se nos números mais altos e afirmações mais grossas de qualquer relatório. E o público frequentemente avalia a verdade de tais afirmações, especialmente se forem de natureza técnica, pelo número de vezes que as ouve .

Com o preço do petróleo na Europa ainda paira acima dos US$100 por barril, as pessoas acham confortantes as historietas de Maugeri e outros porque as mesmas prometem continuidade. Mas a mudança já está em torno de nós nos mercados de petróleo e tem estado durante mais de uma década.

Finalmente, a volatilidade destes mercados e as realidades da oferta constrangida demonstrarão ao público a verdade acerca da matéria. Nessa altura, contudo, poderemos ter perdido uma outra década de preparação devido à complacência criada por uma habilmente fabricada fantasia de abundância destinada a adormecer as decisões políticas e o público num transe sonhador de aquiescência.

Kurt Cobb [BusinessWeek]
07 de agosto de 2012
(Transcrito do site Pátria Latina)

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