"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de agosto de 2012

POR QUE ANNAN DESISTIU DA SÍRIA? ERA MISSÃO IMPOSSÍVEL PARA ESTE HOMEM E QUALQUER OUTRO

E Kofi Annan desistiu. Não há surpresa nisso. Promover a paz na Síria está muito além de suas formidáveis habilidades diplomáticas.

O regime de Assad está onde sempre esteve desde que os protestos contra ele começaram no rastro da chamada Primavera Árabe: disposto a se manter no poder a qualquer preço.

Nenhuma ditadura se transforma em democracia pacificamente. Não existe registro histórico disso. Assad herdou o poder na Síria de seu pai, um autocrata que governou com mão de ferro o país por 30 anos.

Um país não é uma empresa familiar, em que o filho toma as rédeas quando o pai morre. Mas a tentação entre os ditadores é grande. Não basta, em vida, exercer o poder. É preciso, depois, perpetuá-lo nos filhos. Gaddafi vinha preparando um dos filhos para sucedê-lo.

E a oposição a Assad ficou muito mais complexa do que era no começo. Jovens idealistas foram cedendo espaço a mercenários financiados pelos Estados Unidos, de um lado, e a extremistas islâmicos dedicados à Jihad – a Guerra Santa –, de outro. (A maior parte dos mercenários anti-Assad é composta de veteranos pagos recentemente para guerrear contra Gaddafi na Líbia.)


Mercenários da Libia agora estão na Síria

É uma união de conveniência parecida com a que se viu, nos anos 1980, no Afeganistão. Num breve momento, os interesses americanos e os dos grupos islâmicos – dentro dos quais se destacava o jovem Osama bin Laden – foram os mesmos: expulsar os russos. Completada a missão, foi o que se viu: o Afeganistão virou palco de uma guerra que se arrasta até hoje.

Mercenários que lutaram na Líbia estão hoje na Síria

A Síria vive uma situação tragicamente bizarra. Assad é um presidente deposto em exercício. E a oposição, tal como é hoje, é uma mistura voltada para a guerra e para a destruição, não para a paz.

O ponto essencial que vem sendo pouco debatido é: pelo conjunto da obra dos Estados Unidos no Oriente Médio desde o fim da Segunda Guerra, qualquer governo hoje na região suspeito de ser marionete americana vai enfrentar uma resistência feroz. É o que acontece no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão – e o que provavelmente vai ocorrer na Síria também.

Enquanto os Estados Unidos permanecerem no Oriente Médio, a paz vai ser — para usar as palavras de Annan — uma missão impossível.

Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)
07 de agosto de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário