"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

GALINHA NOVA NO PORTO

Em Porto de Galinhas (PE) não havia senhores de engenho. Eram senhores das florestas, dos rios e dos mares, nas beiras desse infinito verde-azul, rodeado de arrecifes empedrados, uma das mais magníficas esquinas desses mundos de Deus.
Os índios Caetés, aqueles que comeram como sardinha o primeiro bispo do Brasil, aqui viviam e imperavam…

Até que chegaram os portugueses, matavam os índios e exportavam pau-brasil por esse porto natural, que logo chamaram de Porto Rico.
Os índios caetés reagiram, puseram os portugueses para correr e durante todo o século XVI não mais deixaram sair por aqui nem madeira nem açúcar.

Quando começou o comércio dos escravos trazidos da África, os brancos voltaram ao massacre dos índios e aqui instalaram um porto clandestino, pirata, que importava negros sem pagar taxas ao governo instalado em Olinda e Recife.

O governo até que tentou reagir, construindo o Forte da Gamaleira, aqui ao lado. Mas os navios negreiros chegavam, encostavam e desovavam milhares de negros. Nos porões, também traziam galinhas de Angola e com ela davam a senha:

- Tem galinha nova no porto!
As galinhas, na verdade, eram os negros para vender. E o porto logo se chamou, até hoje, Porto de Galinhas.

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ESCRAVO DO AMOR

Carlos Wagner, bom jornalista, bom publicitário, bom poeta, irmão do cinematográfico pintor de “Olga”, o escritor Fernando Moraes, era amante. Apaixonou-se, todo se deu. Um dia, o amor se foi e deixou um infinito vazio. Ficaram apenas as cartas magoando na gaveta.

Ia jogar fora, mas Belo Horizonte, onde morava, não merecia o enterro de sua ternura. Mudou-se para São Paulo. E as cartas doendo na mala. Quis rasgá-las, também lá. Desistiu. Não tinha sentido espalhar tanto sonho naquela frieza de cimento armado.

Pegou um avião, foi para Paris. Com as cartas. Chamou José Maria Rabelo e Tereza, seus amigos, exilados lá:
- Hoje, vamos dar um passeio no Sena. Quero que vocês dois sejam testemunhas e padrinhos de uma cerimônia.

Entrou no primeiro marché, comprou três Chateau Margaux. Até a francezinha do caixa ficou assustada com o preço. Pegaram um Bâteau Mouche, beberam tudo. Carlos Wagner estava desolado:
- Vim a Paris jogar no Sena as cartas de um amor maravilhoso que se acabou. Elas estão aqui na bolsa.
- Então, jogue.
- Não, não vou jogar não. Vejam como está o Sena. Muito poluído.

No dia seguinte, embarcou para Veneza. Continuava escravo de seu amor, como galinha nova no porto.
PAES DE ANDRADE

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