"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

LULA LÁ

Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e para seu antecessor Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia, tanto faz como tanto fez se o advogado de Roberto Jefferson considera a peça de acusação nula por falha de origem: a não inclusão do então presidente Luiz Inácio da Silva como mandante do conjunto de crimes ora em exame no Supremo Tribunal Federal.

Para os ministros que julgarão os réus culpados ou inocentes, da mesma forma pouco afeta o alerta sobre o "risco" de a população voltar-se contra o STF em caso de absolvições, por "culpa" de aludida omissão do Ministério Público.

Nenhum deles vive de votos nem está em jogo no processo. Não dependem profissionalmente do que deles se diga, tampouco são personagens explícitos ou implícitos dessa trama. Portanto, se a ideia do advogado era expor a acusação e sensibilizar os julgadores, desperdiçou seus talentos.

Agora, se por algum motivo a intenção era deixar exposto o ex-presidente ao constrangimento de se ver no centro de uma cena a cujo desmonte prometeu se dedicar, cumpriu seu intento.
Não porque tenha necessariamente fé a afirmação do advogado de que Lula não apenas sabia de todo o esquema - "safo que é" - como teria de ser enquadrado como mandante dos crimes.

O embaraço ao ex-presidente é ver-se em destaque como alvo de ação penal por improbidade administrativa na Justiça Federal junto com um ex-ministro da Previdência demitido na ocasião por suspeita de imprevidências, e personagem de relato sobre uma medida provisória e um decreto que favoreceram os bancos (BMG e Rural) onde o PT obteve questionáveis empréstimos na operação do mercado de crédito consignado.

O relato desse e de outros advogados que igualmente citaram o ex-presidente como beneficiário de ações dos acusados não põe Lula em julgamento, mas o integra a um ambiente do qual havia se distanciado e quebra o tabu da inviolabilidade de sua majestade.

Inútil paisagem. A CPI do Cachoeira aprovou ontem nova série de convocações, chamando novamente o bicheiro e marcando a data do depoimento de Fernando Cavendish, da Delta.
Pura perda de tempo e energia se a comissão não mudar seus procedimentos e continuar permitindo que convidados e convocados fiquem calados para em seguida serem dispensados.
A CPI dá a nítida impressão de que cumpre tabela até o encerramento oficial dos trabalhos, com o propósito explícito de evitar que as pessoas falem para não ferir interesses mútuos de partidos. De governo e oposição.

Rigor virtual. O governo fez pouco caso da greve do funcionalismo. Apostou no recuo e assistiu ao avanço crescente das paralisações. Se a presidente não quer ceder, é uma decisão que, no entanto, não está levando em consideração o lado de quem paga a conta.
Uma queda de braço desequilibrada, pois a população sofre o prejuízo e os grevistas seguem medindo forças sem que o governo aja com efetivo rigor permitido por decisão judicial que os submete às mesmas regras válidas para o setor privado.

15 de agosto de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

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