"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VISÃO DO CORREIO - O MENSALÃO COMO ELE É

Para falar de um dos maiores escândalos do século, parodiar o dramaturgo Nelson Rodrigues ("A vida como ela é"), no ano em que se comemora o centenário do seu nascimento, é mais do que homenagear quem tão bem retratou a sordidez da sociedade brasileira em sua época. Imagem que vale o paralelo entre o caso que hoje começa a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) e a obra de carga dramática, cômica, até mesmo pornográfica e sobretudo polêmica e realista do escritor e jornalista é a de Ângela Guadagnin dançando no plenário da Câmara dos Deputados para comemorar a absolvição de um dos acusados de participar do mensalão. Mas as cortinas do teatro da CPI que livrou o petista mineiro João Magno se fecharam.

Agora o companheiro partidário de Ângela, que, depois da cena, só conseguiu se eleger vereadora no interior paulista, é um dos 38 réus da Ação Penal nº 470, num palco que não admite práticas circenses. A partir hoje, o austero plenário da Corte Suprema estará aberto à população apenas por transmissão direta de tevê. Torcidas pró e contra serão mantidas a um raio de pelo menos 100m de distância. Com uma composição que talvez seja das mais plurais da história, o STF dá início a julgamento de importância maior que o caso em si. Se não tem o poder de pôr fim à corrupção, está diante de momento ímpar para mostrar à nação que este não é o país da impunidade.

Ouvidas mais de 600 testemunhas, as acusações vão de formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva a peculato e evasão de divisas. A suspeita, transformada em denúncia pela Procuradoria-Geral da República, é de que amplo esquema de movimentação de recursos financeiros de bancos e empresas, inclusive públicas, teria sido operado no primeiro mandato do presidente Lula para comprar apoio no Congresso Nacional e financiar campanhas eleitorais. No comando estaria o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que perdeu o cargo e o mandato de deputado federal. Como denunciante, outro ex-deputado e também réu na ação que se encaminha para a reta final: o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

Depois de quase sete anos, o escândalo vai a julgamento em ação que soma mais de 50 mil páginas. A expectativa é de que o STF cumpra o cronograma rigorosamente traçado e conclua o processo este mês, conforme espera o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, ressalvando já considerar a complexidade do caso. Até 14 de agosto, estão previstas sessões diárias de cinco horas. De 15 em diante, será a vez de os ministros revelarem os votos. Que restabeleçam a verdade na plenitude, de modo a não restar dúvida quanto à participação, ou não, de cada envolvido. Será a antecipação da primavera para este país cansado dos tempos nebulosos de maracutaias e impunidades. Há 27 anos a nação se reencontrou com a democracia sem ainda haver consolidado o respeito por suas instituições.

Correio Braziliense (DF) -02/08/2012
Da Redação

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