"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O ADVOGADO EXEMPLAR

 

José Marcelino era governador da Bahia (1904-1908). Cosme de Farias, o famoso Major Cosme, rábula genial que advogou de graça para os pobres durante 80 anos e morreu com 99 anos (1875-1974) como deputado do MDB, era deputado e amigo do José Marcelino.
Uma tarde, em frente à central de polícia, o bandido “Circuncisão” deu um tiro na cabeça do governador José Marcelino. A bala resvalou pela testa, a população ficou indignada e nenhum advogado quis defender o criminoso. No fórum, o juiz de plantão chamou major Cosme e o nomeou defensor público do réu. O major saiu de lá, foi à tribuna da Assembleia:


Cosme de farias

- Senhores deputados, sou do partido do governador, seu amigo. Nem pessoalmente nem politicamente posso ficar a favor do criminoso. Mas recebi da Justiça o mandato de defender o réu. Desde quase menino cumpro o mandato da Justiça. Eleito deputado, passei a cumprir o mandato parlamentar, Agora, vejo-me obrigado a optar entre os dois. Prefiro o da Justiça. Porque é com ele que se faz cumprir a lei.
Desceu, foi à secretaria, renunciou ao mandato e foi para o fórum defender o bandido “Circuncisão”. Só voltou à Assembleia 3 anos depois.

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COSME DE FARIAS

Em Catu, cidade próxima a Salvador, houve um crime bárbaro. A população estava enfurecida, querendo linchar o criminoso. E ameaçou escorraçar o advogado que ousasse ir lá defender o réu. Pois ele foi. De trem. Na estação, uma multidão esperava-o com vaias. Subiu a uma janela:
- Cala a boca, canalha! Mas é desta canalha que eu gosto, porque foi esta canalha que derrubou a Bastilha.
Meia hora depois, entrava carregado na sala do júri.

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O PROMOTOR

Almeida Gouveia,promotor famoso pela dureza,terminou uma acusação: – Agora, vocês vão ouvir a defesa, na palavra de Cosme de Farias, o campeão das absolvições. Eu me honro de ser o campeão das condenações.
Cosme de Farias ficou sentado, calado. O promotor provocou:
- V. Exa. está triste, major Cosme, já sentindo o amargor da derrota?
- Não, doutor promotor. Estou triste mas é de pena de V. Exa., de seu sofrimento, indo todas as noites para casa carregando nas costas tantos anos de condenações. E mais triste ainda por saber que as varizes de V. Exa são essas condenações que estão explodindo para fora de seu corpo.
O réu foi absolvido.

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100 ANOS

99 anos de vida, 80 anos de luta. Seu último discurso foi no dia em que assumiu o último mandato: deputado estadual pelo MDB da Bahia. Uma profissão de fé democrática de 13 minutos, defendendo eleições diretas para todos os mandatos, inclusive presidente da República:
- Aprendi com Rui Barbosa que fora da lei não há salvação. Escolhi o caminho mais difícil, o da oposição. Preferi o lado mais fraco para defender o ideal mais forte: a liberdade. Vi cair o Império e nascer a República, tendo vivido todos as lances libertários de nossa Pátria.
As galerias gritaram em aplausos. Sentou-se, muito digno em seu terno branco e colarinho duro, perguntou ao colega ao lado:
- Diga com franqueza, companheiro, eu fui bem?

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O LADRÃO

Um ladrão entrou na Igreja do Bomfim e roubou as esmolas que o povo joga lá dentro. Pegaram-no. Cosme de Farias foi para o júri:
- Não houve crime. Houve foi um milagre. Senhor do Bonfim, que não precisa de dinheiro, é que ficou com pena da miséria dele, com mulher e filhos em casa com fome e lhe deu o dinheiro, dizendo: – Este dinheiro não é meu. Foi o povo que trouxe. É do povo com fome. Pode levar o dinheiro. E ele levou. Que crime cometeu? Se houve um criminoso, é o Senhor do Bonfim, que distribuiu o dinheiro da igreja. Então vão buscá-lo agora lá e o ponham aqui no banco dos réus. Senhor do Bonfim não é Deus? Deus pode tudo.Se não quisesse que o acusado levasse o dinheiro, tinha impedido. Se não impediu, deixou. Se deixou, não há crime.
O réu foi absolvido.
Apesar dos crimes do Mensalão, os advogados estão cumprindo seu dever.

07 de setembro de 2012
Sebastião Nery

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