"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

UM ENIGMA DENTRO DE UM MISTÉRIO

 

Começando no geral para depois chegarmos ao particular, é preciso desfazer certos mitos e verdades absolutas que envolvem o Poder Judiciário. Repete-se com frequência a falsa máxima de que sentenças de juízes não se discutem, cumprem-se. Não é bem assim.

Cumpri-las, tudo bem, mas deixar de discuti-las, jamais. Ou não existem tribunais para rever decisões de primeira instância? E tribunais superiores para passar tudo a limpo? O que são os recursos e até os embargos senão discussões sobre pronunciamentos anteriores?


Estabelecido que sentenças podem ser discutidas, vamos ao caso específico. No Supremo Tribunal Federal, quatro ministros manifestaram-se contra a denúncia de que os mensaleiros formaram uma quadrilha. Um direito deles, garantido não só pela Constituição, mas pelos mais elevados princípios do Direito. Foram derrotados por seis de seus pares, que aceitaram a acusação do Ministério Público e o voto do relator.

Mesmo assim, a discussão não se encerra. Como foi possível que Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Carmem Lúcia deixassem de ver o óbvio, no caso, a formação de quadrilha? Com todo o respeito, e algum perigo, importa discordar de Suas Excelências. E com muito vigor, até com indignação.

Filigranas semânticas não subsistem por dez minutos diante da evidência de que José Dirceu e companhia compunham um bando destinado a garantir maioria parlamentar para o governo através da corrupção dos partidos, enxovalhando a Câmara dos Deputados pela compra de votos de seus integrantes, roubando os cofres públicos, burlando a lei e o fisco, desmoralizando o poder que exerciam, atentando contra a paz pública e quanta coisa a mais? Se isso não é formar uma quadrilha, o que mais será?

O ministro-revisor entrou no processo para desmontar a argumentação do ministro-relator. Não deixar Barbosa sobre Joaquim. Terá tido seus motivos, que importa não perscrutar, caso tenham sido pessoais.
Politicamente, porém, transformou-se num advogado de defesa dos réus, com raríssimas exceções. Mais pareceu um privilegiado patrono do PT.

O coroinha nessa missa estranha, Dias Toffoli, teve mais escancaradas suas razões. Foi assessor jurídico do Partido dos Trabalhadores e serviu sob as ordens de José Dirceu, na Casa Civil. A gratidão terá atropelado seu vasto saber jurídico.

O que precisa ser discutido mais a fundo é a participação das ministras Rosa Weber e Carmem Lúcia, coerentes durante todas as fases do julgamento, menos na última.
Condenaram muitos réus. Poderiam tê-los absolvido sem que se levantasse contra elas o menor reparo. Sequer o de terem sido indicadas pelo Lula e por Dilma. O diabo foi a questão da formação de quadrilha.
Tivessem sido vitoriosas e os principais mensaleiros estariam livres da prisão em recinto fechado.Levaram em conta essa realidade? Votaram por piedade, em nome daquele sentimento tão feminino de evitar sofrimento aos seres humanos, mesmo para quem merece punição?

Fica em aberto um enigma dentro de um mistério, porque quadrilha, inequivocamente, foi formada pelos réus. Como decidiu a maioria do Supremo Tribunal Federal.

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O ÚLTIMO ATO VAI VIRAR PRIMEIRO ATO

Domingo, conhecidos os resultados das eleições para prefeito nas cidades onde se realizará o segundo turno, encerra-se um ciclo político e começa outro. Numa espécie de simbiose, as disputas municipais vão virar nacionais.
A sucessão presidencial ocupará o palco, ironicamente sem que a presidente Dilma, até hoje, tenha avançado uma só palavra sobre sua decisão de candidatar-se a um segundo mandato. “Nem precisa”, dirão todos. O Lula já repetiu mil vezes que a vez é dela.

Do outro lado, a derrota de José Serra consolida a candidatura de Aécio Neves no ninho dos tucanos, ainda que Geraldo Alkmin, Fernando Henrique e o próprio Serra possam atrapalhar um pouco.
Outros fatores poderão pesar nas duas armações em andamento.
O PT confiará em Eduardo Campos para continuar na aliança oficial? Ou o governador de Pernambuco cederá à tentação de disputar em 2014 o cargo que a prudência recomendaria para 2018? Poderá o Partido Socialista bandear-se para o PSDB? A vice-presidência na chapa de Aécio seria uma aventura, um risco ou uma saída?

Quanto ao PMDB, parece tudo acertado para Michel Temer continuar na vice-presidência, se Dilma se reeleger. Parece, mas garantir, ninguém garante. Desde que lançou Orestes Quércia que o partido omitiu-se da obrigação de apresentar candidato próprio. Suas bases ressentem-se, mas só se animariam a levantar a hipótese caso o governo e o PT sofressem queda vertiginosa, o que não parece provável.

25 de outubro de 2012
Carlos Chagas

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