"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

BAIXARÉU


Vão mau as letras jurídicas no país, comentei em julho passado. Não faltou leitor que se surpreendesse com meu uso do vernáculo. Ocorre que o “mau” era intencional. Eu ironizava o analfabetismo de nossos doutores.

Na época, li um artigo no órgão oficial do PT, a CartaCapital - revista que pretende provar a virgindade de Maria, digo, a inexistência do mensalão -, de autoria de Leonardo Massud, que se assina como advogado criminal, professor de Direito Penal da PUC-SP, mestre e doutorando pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, autor do livro "Da Pena e Sua Fixação: Finalidades, circunstâncias e apontamentos para o fim do mínimo legal".

Lá pelas tantas, o titulado causídico escreve: “Num Estado que se pretende democrático, só é possível punir mais gravemente alguém pelo que essa pessoa fez e não por aquilo que ela é. Assim, quando examinar uma circunstância que diga respeito ao autor, o juiz só poderia considerá-la se fosse para favorecer o réu, pois, do contrário, seria permitir a punição mais severamente por seu estilo de vida ou sua maneira de ser (mal vizinho, mal pagador, péssimo marido), sem relação com o que a lei quis proibir, ou seja, sem nexo com o crime”.

A situação é mais grave do que se possa imaginar. Pois quando um advogado criminal, professor de Direito Penal da PUC-SP, mestre e doutorando pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra grafa “mal vizinho”, “mal pagador”, há muito o analfabetismo migrou do ensino superior para a pós-graduação.

A Folha de São Paulo de hoje oferece mais uma pérola. Comentando as estrepolias de Dona Rose no governo federal, escreve o jornal:

“Em 4 de maio, Rose pergunta qual será a formação do ex. "Baixaréu em administração", responde Vieira (o termo em português é bacharel)”.

Quanto as altas instâncias do PT escrevem baixaréu, entende-se como um analfabeto foi guindado à Presidência da República. Se o primeiro magistrado é inculto, dominar o vernáculo é o de menos para os demais cidadãos. Tanto faz como tanto fez.

Pior ainda fez a Folha. Ao alertar que o termo em português é bacharel, demonstra ter uma péssima idéia do nível cultural de seus leitores.




quinta-feira, novembro 29, 2012


QUANDO IRÃO PARA A CADEIA OS JUÍZES
QUE CONDENARAM OS MENSALEIROS?



Retomei há pouco crônica que escrevi há oito anos, mais precisamente em julho de 2004, na qual eu fazia pergunta que só agora está preocupando a magistratura nacional: voto comprado vale? Para melhor entender o caso, republico os três parágrafos finais.

“Começam agora a fazer sentido certos movimentos estranhos em Brasília. Por quatro vezes, os congressistas rejeitaram a taxação dos aposentados e pensionistas, por considerá-la afrontosa a princípios jurídicos como o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Mas a carne é fraca. Na quinta vez, o Congresso não resistiu e inclusive obteve do mandalete gaúcho instalado no STF a autorização definitiva para implantar a taxação da velharada indefesa.

“Considera-se que pelo menos uma centena de deputados foram comprados. É um punhado considerável de prostitutas, capaz de virar qualquer votação. Pergunta que nenhum jornal ainda fez: voto comprado vale? Venalidade pode criar legislação? Pode derrubar cláusulas pétreas e extinguir direitos adquiridos? Se cassados estes deputados, não seria o caso de cassar também seus votos passados?

“Esta é a pergunta que deve ser feita, a meu ver, aos ministros das supremas cortes. Se é que, humanos sendo, ainda não se renderam às tentações do mensalão”.

Mais recentemente, eu comentava a obnubilação nacional pelo brilho da careca de Joaquim Barbosa. Por sua atuação no julgamento do mensalão, já foi lançado por ingênuos como candidato à Presidência da República.

Os jornalistas esquecem – e parece que sou o único a lembrar – que o juiz que hoje pune a compra de votos é o mesmo que ratificou a legislação decorrente da compra de votos. O Joaquim Barbosa que hoje é visto como herói é o mesmo Joaquim Barbosa que votou pela improcedência da ADI 3104/07, sacramentando assim a compra de votos. O STF que hoje envia mensaleiros para a cadeia é o mesmo que um dia rasgou a Constituição, avalizando a tunga dos aposentados e negando o direito adquirido.

Ora, direis, o ministro não sabia. (Lula também não). Difícil não saber, quando o mensalão foi denunciado em 2005. Mesmo que Joaquim Barbosa de nada soubesse, Joaquim Barbosa votou contra o direito adquirido. Será por isso que o STF faz boquinha de siri quando se fala em anular a lei comprada. Afinal seus juízes avalizaram a compra de parlamentares.

Ainda há pouco me fiz uma outra pergunta: e se alguma velhota prejudicada com a tunga de sua aposentadoria entrar com uma ação, alegando que voto comprado não pode gerar lei? Não deu outra. Uma viúva do interior de Minas exige receber o valor integral da pensão que o marido recebia quando estava vivo, de R$ 4.801. O valor atualmente pago pelo Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais (Ipsemg) à mulher foi reduzido para R$ 2.575,71 com a entrada em vigor da Emenda 41, em 2003.

O juiz mineiro Geraldo Claret de Arantes deu ganho de causa à viúva. Em entrevista ao jornal, disse que o próprio STF já havia afirmado que a Emenda 41 foi aprovada "sob influência da compra de votos", e que o relator Joaquim Barbosa faz "relação clara da votação com a entrega de dinheiro. Esta reforma está maculada definitivamente pela compra de votos, não representou a vontade popular. Ela padece do vício do decoro parlamentar", reitera o juiz.

A decisão do juiz mineiro põe em xeque o STF. E acusa todo o Judiciário que, de 2003 para cá, conviveu serenamente com um ordenamento jurídico inconstitucional.

Para o presidente da OAB-MG, Luis Cláudio Chaves, a tese do juiz tem fundamento e pode abrir precedente para mais ações nesse sentido. "O fundamento dele é interessante, amparado numa compra de votos que influenciou a vontade parlamentar. Se ficar provado que o processo legislativo sofreu uma influência por conta da compra de voto de parlamentares, ele pode ser considerado nulo", disse Chaves.

Provado já está, ou os mensaleiros não seriam condenados, como estão sendo. A viúva mineira viu a nudez do Congresso. E teve a ventura de encontrar um juiz que não é míope. Quando esta sentença chegar ao Supremo, qual será a atitude dos ministros? Continuarão afirmando que isto não implica a anulação da reforma da previdência, pois já surtiu efeitos?

A atitude da viúva mineira está contaminando a parte sadia do Judiciário. Leio no Jornal do Brasil que, na esteira das condenações por corrupção passiva de deputados federais e ex-parlamentares no julgamento da ação penal do mensalão, as associações nacionais dos magistrados (AMB) e dos juízes trabalhistas (Anamatra) ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal, ação de inconstitucionalidade (Adin 4.885) em que contestam a validade da Emenda Constitucional nº 41/2003 (“Reforma da Previdência 2”), com base na qual foi instituído o regime de previdência complementar para todos os servidores públicos federais por meio de fundações (Lei 12.618/2012). A ação foi protocolada ontem no STF.

O advogado da AMB e da Anamatra, Alberto Pavie Ribeiro, assinala na petição que “essa alteração – sabe-se agora – resultou de ato criminoso (corrupção) perpetrado por integrantes do Poder Executivo em face de membros do Poder Legislativo, como restou decidido por esse egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470”. Assim, para as entidades dos juízes, a reforma previdenciária votada pela Câmara no período dos atos de corrupção ativa e passiva “padece de vício de inconstitucionalidade formal”, já que “não houve a efetiva expressão da vontade do povo por meio dos seus representantes na votação da PEC”.

Os homens do Direito precisaram, ao que tudo indica, de sete anos para descobrir que era inconstitucional a decisão do STF, que ratificou a compra dos parlamentares pelos mensaleiros.

Ora, se comprar parlamentares é crime, não será crime endossar a compra de parlamentares? Cúmplice de um crime não é criminoso também? Não seriam criminosos a ministra Hellen Gracie, os ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Ricardo Lewandovski, Cármen Lúcia, Menezes Direito e Joaquim Barbosa (sim, também o Joaquim) que, cientes da compra de votos declararam constitucional a tunga dos aposentados? Não seriam os ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello, os votos vencidos no julgamento da ADI 3104, os únicos heróis desse momento sórdido do STF?

Mais outras perguntas. A pretensão da viúva e a decisão isolada de um juiz não fazem verão. Farão verão as ações das associações nacionais dos magistrados e dos juízes trabalhistas? Terá o STF a hombridade de reconhecer que há cinco anos tomou a defesa dos bandoleiros que compraram o Congresso Nacional?

Encerro com uma última perguntinha: quando irão para a cadeia os juízes que ora mandam para a cadeia os homens cujos atos criminosos um dia defenderam?
 
30 de novembro de 2012
janer cristaldo

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